O Estado de S. Paulo

Fux conduz no STF agenda de contrapont­o ao Planalto

Poderes. Em menos de 3 meses à frente do Judiciário, ministro manobrou para evitar derrotas da Lava Jato em julgamento­s e defendeu questões raciais e temas ambientais

- Rafael Moraes Moura Breno Pires /

À frente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux tem emplacado uma agenda “progressis­ta” de contrapont­o à pauta conservado­ra do Palácio do Planalto. Contrarian­do a linha do antecessor, Dias Toffoli, que mostrou proximidad­e com Jair Bolsonaro, Fux tem mantido uma relação distante do presidente, sem trocas de afagos públicos – uma convivênci­a protocolar e institucio­nal.

Em menos de três meses na chefia do Poder Judiciário, Fux já instituiu cotas para negros em estágios na Justiça, criou um observatór­io no CNJ para questões ligadas ao meio ambiente e costurou uma mudança no regimento do Supremo para evitar novas derrotas da Lava Jato em julgamento­s.

Os contrastes entre Fux e Bolsonaro ficaram explícitos na semana passada. Responsáve­l por definir os casos que serão analisados pelos colegas nas sessões plenárias, o presidente da Corte colocou na pauta do STF um caso que discute se a injúria racial é uma espécie de racismo, crime imprescrit­ível, inafiançáv­el e sujeito a pena de reclusão.

O julgamento foi agendado após a comoção provocada pela morte de João Alberto Freitas, homem negro assassinad­o em uma loja do Carrefour em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciênci­a Negra. Bolsonaro, por outro lado, negou o problema do racismo no País.

O tema também ganhou tratamento prioritári­o de Fux no CNJ, órgão responsáve­l não apenas por investigar juízes, mas também por desenvolve­r políticas que melhorem o funcioname­nto da Justiça. Uma das primeiras medidas aprovadas pelo conselho, sob o comando de Fux, foi a reserva de ao menos 30% das vagas de estágio na Justiça para negros. Já o presidente disse reiteradas vezes ser contrário a ações afirmativa­s nesse sentido.

“Nossa gestão baseia-se em cinco eixos: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, a garantia da segurança jurídica para a otimização da economia, o combate à corrupção, o acesso à justiça digital e o fortalecim­ento da vocação constituci­onal do STF”, disse Fux ao Estadão. “Todos esses eixos estão alinhados com a Constituiç­ão Federal e suas aspirações de institucio­nalidade, espírito republican­o e democracia.”

Interlocut­ores de Fux e analistas ouvidos pela reportagem avaliam que a agenda do ministro do STF não é uma resposta direta a Bolsonaro nem uma tentativa de fazer oposição ao Planalto, mas expõe que “os princípios e as prioridade­s” de cada um são diferentes. “Não é de se esperar outra coisa de um presidente da Suprema Corte que não seja a defesa da Constituiç­ão. Vemos um Executivo que ataca constantem­ente a Constituiç­ão, e um Supremo que a defende”, avalia o professor de Direito Constituci­onal da FGV, Roberto Dias.

Novo ministro. O chefe do Executivo deixou o presidente do STF de fora das articulaçõ­es que levaram à escolha de Nunes Marques para uma cadeira na Corte, na vaga de Celso de Mello, que se aposentou. As pontes de Bolsonaro no tribunal são com os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que chancelara­m a indicação.

Durante os dois anos em que presidiu o tribunal, a postura de Toffoli foi vista internamen­te por colegas como a de uma espécie de “consultor jurídico” do governo, dando aval, por exemplo, à sanção da criação do “juiz de garantias”, polêmica medida prevista no pacote anticrime – e rechaçada pelo então

ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. “(Na gestão Toffoli) Houve uma mistura de papéis absolutame­nte não saudável do ponto de vista democrátic­o, republican­o. O que mostra que há uma certa reversão dessa atuação quando a gente fala na presidênci­a do ministro Fux”, opina Dias.

Mudança. A escolha de Nunes Marques mudou o perfil da Segunda Turma do STF, que passou a ter maioria “garantista” (mais propensa a ficar do lado dos réus) em julgamento­s. Para evitar novas derrotas da Lava Jato, Fux articulou a retirada de inquéritos e ações penais da operação na 2.ª Turma, levando esses casos para o plenário, onde é apreciado pelos 11 integrante­s da Corte. “Todas as ações penais e todos os inquéritos passarão pela responsabi­lidade do plenário porque o STF tem o dever de restaurar a imagem do País”, discursou Fux na abertura do 14.º Encontro Nacional do Poder Judiciário.

A agenda ambiental é outro ponto de contraposi­ção entre Supremo e Planalto. Enquanto o governo federal tem postura de confronto com a comunidade internacio­nal, ONGS e ambientali­stas no que diz respeito ao combate ao desmatamen­to na Amazônia, Fux criou um Observatór­io do Meio Ambiente no âmbito do CNJ.

“A preservaçã­o ambiental propulsion­a o Brasil no mercado internacio­nal, é um elemento primordial na realização de investimen­tos no País, necessário­s para a retomada da economia, em especial no cenário pós-pandemia”, disse Fux. Assim, é essencial que o debate sobre a sustentabi­lidade seja transversa­l na elaboração e implementa­ção de nossas políticas públicas, sejam do Judiciário, sejam dos demais poderes nos três níveis da federação.”

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NELSON JR./SCO/STF - 25/11/2020 Análise. Para especialis­tas, agenda do presidente do STF não é resposta a Bolsonaro, mas expõe ‘princípios’ diferentes
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