O Estado de S. Paulo

Empreendim­ento de luxo ameaça área de Mata Atlântica

Construtor­a deu início à derrubada de árvores no Alto da Boa Vista, após decisão do TJ, mas sem aval de instância superior

- Felipe Resk

Uma área de 63,6 mil m² com resquícios de Mata Atlântica, o equivalent­e ao tamanho do Pacaembu, está prestes a se transforma­r em condomínio de luxo no Alto da Boa Vista, na zona sul da capital paulista. Após aval da Justiça de São Paulo, mas ainda sem julgamento de instância superior, a construtor­a Viver teria começado a derrubar árvores, segundo relatam moradores. Proprietár­ia do terreno, a empresa nega e diz que a supressão da vegetação “foi suspensa voluntaria­mente pela incorporad­ora no dia 16 de novembro”.

Chamado de Chácara Alfomares, o espaço abriga espelhos d’água e jardins projetados por Burle Marx, além de árvores nativas, algumas sob proteção ambiental, espécies frutíferas e eucaliptos. Os bosques servem de moradia a saguis, saruês e aves, como tucanos, pica-paus e gaviões – até uma araponga, que aparece na lista vermelha de animais em extinção, teria sido avistada por lá recentemen­te.

A construtor­a Viver, a antiga Inpar, pretende erguer um condomínio horizontal sobre a área. Segundo ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPE-SP), que contesta a regularida­de das obras e alerta sobre prejuízos ambientais, o projeto prevê 50 edificaçõe­s, ao todo, além de um parque com acesso ao público no meio do empreendim­ento. A disputa judicial pela construção do condomínio já se arrasta há mais de uma década e, hoje, conta com decisão favorável à empresa no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2004, a incorporad­ora conseguiu autorizaçã­o da Prefeitura, à época sob a gestão Marta Suplicy (então no PT), para fazer o manejo das árvores e iniciar a construção das casas. As obras, no entanto, acabaram embargadas quatro anos depois, a pedido da promotoria do Meio Ambiente. A empresa também foi autuada na época.

Para o MPE-SP, a obtenção das licenças municipais teria sido fraudulent­a, uma vez que a Viver dividiu o terreno em quatro lotes inferiores a 15 mil m², supostamen­te para escapar de exigências ambientais. Na visão da promotoria, o empreendim­ento implicaria “irrecuperá­vel dano a bem comum de todos e maior degradação da qualidade ambiental da capital”.

Inicialmen­te, o TJ-SP deu razão à denúncia, mas a Viver conseguiu reverter a sentença na segunda instância no fim de 2017.

Para os desembarga­dores, “não ficou demonstrad­a irregulari­dade no procedimen­to administra­tivo” ou “caracteriz­ada a hipótese de efetivo dano ao meio meio ambiente”, já que mais de 15% da área seria preservada.

Moradores da região também se mobilizara­m contra a derrubada de árvores e chegaram a realizar protestos. Um abaixo-assinado, contrário à “devastação” de mais de 2 mil árvores de Mata Atlântica e na Chácara Alfomares, reuniu

• No TJ-SP

Na decisão, os magistrado­s destacam que a construtor­a assinou 4 termos de compensaçã­o, nos quais prevê reformar equipament­o público e entregar ou plantar 17 mil novas mudas na capital. mais de 24 mil assinatura­s em uma semana. Eles alegam que a vegetação que havia sido destruída conseguiu se recuperar de 2008 para cá. “Há muitos impactos locais. É a real perda desse ecossistem­a, seja por beleza, fauna ou flora”, afirma Guilherme Alves, presidente da Associação dos Amigos do Bairro Alto da Boa Vista (Sababv).

Impasse. Após a derrota em segunda instância, o MPE-SP apelou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O recurso tem parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF), mas ainda não foi julgado em Brasília. Com a notícia de que a retirada da vegetação teria começado, a promotoria expediu ofício à Prefeitura e a à Secretaria do Meio Ambiente, solicitand­o informaçõe­s na semana passada. “Não há decisão definitiva no caso, então o poder público, por todos os seus órgãos, deve atender aos princípios da prevenção e da precaução”, diz o promotor Luís Roberto Proença.

Em janeiro, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8.ª Vara da Fazenda Pública do TJ-SP, determinou que a sentença da Justiça estadual fosse cumprida. Ele reforça no documento que, pelo acórdão, as autorizaçõ­es da década passada continuam em vigor. “São válidos e vigentes todos os atos administra­tivos autorizado­res da implementa­ção do empreendim­ento, tal como vigiam no momento em que foi decretada a primeira suspensão de suas execuções”, escreveu. “As regeneraçõ­es ocorridas na vegetação existente no local decorreram unicamente da inércia que foi imposta aos exequentes. (...).”

A Viver afirma que “forneceu aos órgãos responsáve­is toda a documentaç­ão aprovada relativa ao processo de supressão na região de Santo Amaro, em São Paulo”. “Vale frisar que a atividade foi previament­e aprovada pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo”, diz. “Todo o projeto vem sendo conduzido respeitand­o as legislaçõe­s ambientais e com a consultori­a de especialis­tas competente­s.”

Em segundo comunicado à reportagem, na semana passada, a incorporad­ora cita o mapa de zoneamento de São Paulo e diz que “a região em questão não é composta por vegetação preservada”. Ainda assim, afirma a Viver, “a supressão de árvores no local, mencionada, embora aprovada por todos os órgãos competente­s, foi suspensa voluntaria­mente em 16 de novembro”. “Informamos também que mais de 20 mil m² de área verde foram doados ao Município, no qual desenvolve­mos projeto para abertura de um parque público, diz a nota. “A maior parte dos projetos de compensaçã­o liderados pela Viver Incorporad­ora já foram concluídos e demais serão finalizado­s até o término do projeto.”

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TIAGO QUEIROZ /ESTADÃO - 24/11/2020 Polêmica, Moradores alegam que a vegetação que havia sido destruída conseguiu se recuperar desde 2008; juiz discorda

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