O Estado de S. Paulo

Marca da herança familiar e superação

Campanha de prefeito ressaltou elo com avô, o ex-governador Mário Covas, e luta contra câncer; entre desafios, estão o combate à covid

- Adriana Ferraz

Herdeiro de um dos sobrenomes mais emblemátic­os da política paulista, Bruno Covas (PSDB) superou seu avô ontem, ao menos no que diz respeito à Prefeitura de São Paulo. Mário Covas não chegou ao cargo por escolha popular. Ele foi o último prefeito biônico antes da democratiz­ação, em 1983. Bruno, de 40 anos, seguia uma história parecida – era o vice na chapa vencedora de 2016 –, até ganhar a eleição deste domingo no segundo turno, com 3,1 milhões de votos.

Segundo aliados, uma vitória com gosto de superação. Covas venceu Guilherme Boulos (PSOL) com 59,38% dos votos válidos e quase dobrou o apoio que havia recebido no primeiro turno, quando alcançou 1,7 milhão de votos. Além disso, o tucano venceu em 50 das 58 zonas eleitorais da cidade. Em Indianópol­is, na zona sul, sua votação chegou a 76% dos válidos.

Ontem, as histórias do avô e do neto se encontrara­m novamente. Há pouco mais de um ano, Bruno luta contra um câncer, mesma doença que tirou Mário Covas da política e depois do convívio familiar. Amparado por um junta médica especializ­ada e com os melhores recursos em tratamento, o prefeito não se afastou do trabalho nem escondeu os efeitos da quimiotera­pia.

Quando a pandemia chegou, Covas já era reconhecid­o nas ruas como prefeito da capital. Tinha ganhado fama de corajoso e conquistad­o a empatia de parte da população. No início de outubro, com a campanha no ar, pôde reforçar que sua gestão tinha aberto e fechado dois hospitais de campanha e retomado obras paralisada­s até maio na área da saúde.

Começou em segundo lugar nas pesquisas – o recall de Celso Russomanno (Republican­os), mais uma vez, o colocava à frente –, mas foi subindo gradativam­ente e marcou 32% dos votos válidos no primeiro turno.

Sempre calmo em debates e entrevista­s, Covas chegou ao dia 15 de novembro com a lição de casa feita. Considerad­o um bom articulado­r político, conseguiu o apoio de outros nove partidos, além do PSDB, da forma mais tradiciona­l que se conhece na política: fazendo composiçõe­s e concedendo agrados aos aliados. Em seu atual governo, ao menos oito desses partidos têm ou já tiveram cargos no alto escalão.

Mas o indicado para a chapa por uma dessas siglas coligadas virou o calcanhar de Aquiles de Covas na reta final: Ricardo Nunes, vereador do MDB indicado (e eleito) vice-prefeito da cidade.

Conhecido na zona sul por indicar entidades para formarem convênios com a Secretaria

Municipal da Educação na oferta de vagas em creche, Nunes tem ex-assessores como gestores de algumas dessas unidades, recebendo mais de R$ 1,4 milhão em aluguéis por ano da Prefeitura. Fato que, como Nunes reforça, não lhe rendeu nenhuma denúncia, mas deu munição até o fim à campanha de Boulos.

Pressionad­o, Covas passou a esconder ainda mais o vice e teve de reconhecer que o vereador não foi sua primeira escolha. Por mais de uma vez, admitiu que a chapa ideal, em sua avaliação, incluía uma mulher. A definição do nome de Nunes, no entanto, fugiu de suas mãos. Foi articulada por Doria, o MDB, claro, e o vereador Milton Leite (DEM), chamado por parte de seus colegas na Câmara de “primeiro-ministro”, tamanha sua influência. Nunes é próximo a ele.

Partido. Do ponto de vista partidário, a vitória de Covas serve para dar um certo respaldo à renúncia de Doria em 2018 para disputar e vencer o governo do Estado – exatamente como ocorreu com Gilberto Kassab (PSD) em 2008 após chegar ao cargo de prefeito a partir da renúncia do também tucano José Serra. A diferença é que, desta vez, o comando da cidade permanece com o mesmo partido.

O apoio do PSDB à candidatur­a, aliás, se deu de forma homogênea e unânime. Se no momento da descoberta do câncer a sigla temeu ser obrigada a escolher outro filiado para a disputa, ao longo do tratamento de Covas o partido fechou em torno de seu nome e lhe deu condições

de fazer uma campanha sem muitos altos e baixos.

Até a sexta-feira, o investimen­to financeiro na reeleição já somava R$ 19,2 milhões em receitas, dos quais R$ 15,2 milhões repassados pelo partido.

O ex-governador Geraldo Alckmin, duas vezes vice de Mário Covas, conheceu Bruno ainda adolescent­e, quando ele decidiu deixar sua cidade, Santos, no litoral paulista, para estudar na capital e morar com o avô no Palácio dos Bandeirant­es.

“Era um menino muito estudioso e inteligent­e. Fez duas faculdades ao mesmo tempo – Direito na USP e Economia na PUC. E com o avô aprendeu a ter espírito público. É vocacionad­o para a política, um nome dessa nova geração”, diz.

Segundo Alckmin, a conquista da eleição é resultado de um trabalho bem-feito. “Foi transparen­te com a questão da doença, sério no combate ao coronavíru­s e fez uma campanha muito boa, apesar de totalmente atípica. Agora tem um grande desafio: governar de novo essa cidade, que é apaixonant­e. Eu mesmo tentei por duas vezes.”

Desafios. Se o cenário até aqui é de comemoraçã­o, a realidade com as urnas fechadas segue igualmente desafiador­a e com eventuais dois agravantes: o risco de uma segunda onda de covid-19 e o fim do auxílio emergencia­l pago pelo governo federal. Se a pressão por mais leitos hospitalar­es subir novamente na capital – o que já se desenha nas redes público e privada –, espera-se que Covas tenha de anunciar o retorno de algumas medidas restritiva­s na cidade e em um curto prazo de tempo.

Mas, em 2021, é no combate à pobreza e no retorno seguro dos alunos ao ensino presencial que Covas passará a ser cobrado como consequênc­ia das urnas. E, nesse aspecto, não haverá semelhança­s com o avô.

Transparên­cia. Qual o destino de R$ 1,2 bi de emendas em 10 anos estadao.com.br/e/emendas

“Era um menino muito estudioso e inteligent­e. Fez duas faculdades ao mesmo tempo – Direito na USP e Economia na PUC. E com o avô aprendeu a ter espírito público.” Geraldo Alckmin EX-GOVERNADOR

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ARQUIVO PESSOAL Política em família. Ainda adolescent­e, Bruno decidiu deixar sua cidade natal, Santos, para estudar em São Paulo e viver com os avós Lila e Mário Covas no Palácio dos Bandeirant­es
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Gargalos. Veja o especial sobre os desafios em 10 áreas prioritári­as
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NA WEB Gargalos. Veja o especial sobre os desafios em 10 áreas prioritári­as estadao.com.br/e/10desafios

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