O Estado de S. Paulo

Política fiscal na pandemia

- ✽ CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ ✽ ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

OPIB brasileiro, em 2020, deverá registrar contração de cerca de 4,5% em relação ao ano passado, muito menos do que se esperava quando da eclosão da covid-19, mas nem por isso pouco expressiva. Estimo, também, que haverá queda real (descontada a inflação) de 7,3% na massa de rendimento­s do trabalho, incluídos trabalhado­res formais e informais. No entanto, quando se examina o que ocorreu com a massa ampliada de rendimento­s das famílias, conceito que inclui, além dos proventos do trabalho, os benefícios da previdênci­a, privada e pública, e todos os programas governamen­tais de transferên­cia direta de renda, os antigos e os criados em razão da pandemia, chega-se a um número impression­ante. Segundo estimativa­s da MCM Consultore­s, o rendimento total das famílias deverá registrar elevação real de 3,9%, em relação a 2019.

É importante atentar bem para o que esses números significam. Apesar da contração recorde do PIB, os rendimento­s das famílias subirão, neste ano, quase 4% acima da inflação, o que não acontecia há muito tempo. Ou seja, os programas criados com base no orçamento de guerra fizeram com que a renda das famílias crescesse em plena pandemia.

Nada contra o cresciment­o de renda da população, obviamente. Mas isso acontecer por causa de uma pandemia, que provocou grande baque na atividade econômica, evidencia que a resposta fiscal foi superdimen­sionada e mal focada. O próprio governo reconheceu que muitos beneficiár­ios do auxílio emergencia­l não estavam entre os mais vulnerávei­s, além de terem sido apuradas várias fraudes.

Vejamos outra parte da resposta fiscal à pandemia: o socorro da União a Estados e municípios para compensar a perda de receita, principalm­ente a decorrente das medidas de isolamento social, e o provável aumento extraordin­ário de despesas. O projeto aprovado inicialmen­te pela Câmara previa transferên­cias limitadas à efetiva perda de arrecadaçã­o em relação a 2019. A medida, com apoio do governo, foi modificada no Senado, claramente por razões políticas, optandose por um valor fixo, de R$ 60 bilhões.

Ao descolar o socorro federal da real deterioraç­ão das finanças estaduais e municipais, corria-se o risco de a União ser excessivam­ente generosa – o que de fato ocorreu. Além disso, houve várias suspensões de cobranças de dívidas desses entes federativo­s.

Para os municípios, excelente trabalho do economista Marcos Mendes, do Insper, mostrou que até agosto os altos níveis de socorro federal superaram, em cerca de R$ 24 bilhões, os custos com a pandemia, computadas quedas de receitas (na média, quase nulas) e aumento de despesas. Como a atividade econômica ganhou expressivo impulso a partir do 3.º trimestre, tudo indica que essa situação será mantida para o ano como um todo.

Claro, esses excessos de bondades também concorrera­m para elevar a dívida pública federal.

Números dos rendimento­s das famílias evidenciam que resposta, além de mal focada, foi superdimen­sionada

Muitos economista­s, inclusive alguns que se rotulam ortodoxos, vêm defendendo a criação de algum programa de transferên­cia de renda, em 2021, para substituir o fim do auxílio emergencia­l ou, até mesmo, a prorrogaçã­o deste último. Poucos indicam como isso será financiado e o teto de gastos, respeitado.

As políticas públicas não devem fechar os olhos à nossa enorme desigualda­de de renda e ao elevado número de pobres e vulnerávei­s existente no Brasil. No entanto, não se pode cuidar disso de forma açodada. O Orçamento de 2021, ainda não aprovado, já prevê R$ 170 bilhões (2% do PIB) para programas sociais. É preciso avaliar os custos e benefícios desses programas e focá-los melhor, além de desenvolve­r outras ações, não redistribu­tivas, que igualem as oportunida­des de progresso econômico de toda a população. Mas jamais se pode abandonar a responsabi­lidade fiscal.

Fora desse caminho, o que sobra é populismo e demagogia.

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