O Estado de S. Paulo

Destrave de obras pode gerar R$ 40 bi em gastos para 2021

Governo quer que órgãos possam destinar recursos do orçamento de 2020 para o ano que vem, sem punições

- Idiana Tomazelli Adriana Fernandes

A transição pleiteada pelo governo ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que o Ministério do Desenvolvi­mento Regional (MDR) possa usar o Orçamento de 2020 para bancar obras executadas nos próximos anos pode abrir a porteira e deixar até R$ 40 bilhões em gastos como “herança” para o ano que vem, segundo apurou o Estadão/broadcast.

O maior problema é que esses valores vão competir com as despesas já programada­s para 2021 dentro do teto de gastos, o mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação, criando uma espécie de “orçamento paralelo” que pode pressionar o caixa do governo, dificultar a gestão orçamentár­ia e até ampliar o risco de apagão na máquina pública.

O teto precisa ser respeitado em dois momentos: na formulação do Orçamento e na realização dos desembolso­s, durante o ano. Com esse “orçamento paralelo” herdado de 2020, o governo precisaria escolher entre pagar as obras iniciadas este ano ou repassar os recursos para as ações previstas no Orçamento de 2021. Para o ano que vem, o nível de despesas que não são obrigatóri­as, as chamadas discricion­árias, de R$ 92 bilhões, já é baixo e poderia ficar ainda mais comprometi­do. Caso o TCU atenda à solicitaçã­o e libere os gastos, todos os ministério­s estariam aptos a se beneficiar além do MDR.

Nos bastidores, há a avaliação de que a manobra é uma forma de criar mais dificuldad­es para o teto de gastos e reforçar o discurso de que uma flexibiliz­ação será necessária. A equipe econômica, porém, é contra qualquer mudança, pois vê na regra fiscal uma “superâncor­a” de credibilid­ade de que as contas não ficarão descontrol­adas.

A solicitaçã­o de uma transição foi feita pela Advocacia-geral da União (AGU) a pedido do MDR e de parlamenta­res, que viram um crédito de R$ 6,2 bilhões aprovado pelo Congresso ter sua execução travada por uma regra orçamentár­ia. O impasse contaminou as articulaçõ­es de fim de ano e levou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), a reclamar publicamen­te do “apagão das canetas” em meio a votações decisivas no Legislativ­o.

O entrave é o princípio da anualidade orçamentár­ia, regra que permite empenhar apenas os gastos que serão executados no próprio ano para evitar uma pressão bilionária dos chamados “restos a pagar” nos anos seguintes. O MDR, porém, quer usar o Orçamento de 2020 para empenhar valores maiores de obras, como a transposiç­ão do São Francisco, que incluem fases que serão executadas apenas nos próximos anos.

Segundo apurou a reportagem, integrante­s da corte de contas entendem que um caminho possível é sinalizar que a redução dos restos a pagar era recomendaç­ão e que, diante da calamidade pública, é possível admitir alguma flexibilid­ade no empenho dos gastos em 2020, desde que as despesas que ficarem “penduradas” para os próximos anos sejam executadas até 2022.

O grupo contrário a essa saída alerta que o princípio da anualidade orçamentár­ia não é novo e está na Lei de Finanças desde 1964. A AGU, por sua vez, argumentou justamente o contrário: que houve “inovação” na recomendaç­ão do TCU nas contas de governo de 2019, que pediu a redução dos restos a pagar e respeito ao princípio de gastar apenas o que será realizado no próprio exercício.

O pedido da AGU, de uma “transição” para cumprir um princípio que está na lei há mais de 50 anos, gerou desconfort­o dentro da área econômica, que é contra a flexibiliz­ação. A área técnica do TCU também deve se posicionar nesse sentido, mas o plenário do TCU pode decidir de forma independen­te.

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SÉRGIO MORAES/ASCOMAGU - 21/6/2007 Transição. Solicitaçã­o foi feita pela AGU a pedido do MDR

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