O Estado de S. Paulo

Novas fronteiras para a responsabi­lidade civil

- •✽ ANTONIO PENTEADO MENDONÇA SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Amorte de um homem assassinad­o num supermerca­do em Porto Alegre coloca novas indagações para o tema da responsabi­lidade civil no Brasil. Ninguém discute ou coloca em dúvida a responsabi­lidade do supermerca­do. O assassinat­o foi praticado por seus seguranças, assim, não há que se falar em culpa exclusiva da empresa terceiriza­da, contratant­e dos funcionári­os.

O elo contratual gera toda uma gama de responsabi­lidades para o supermerca­do. O fato dos autores do crime agirem com dolo não ilide a obrigação de indenizar, seja dos agentes diretos, seja da empresa de segurança, seja, antes e acima de tudo, do responsáve­l pelos agentes estarem no local e cometerem o crime com requintes de crueldade, ainda por cima protegidos por uma funcionári­a do supermerca­do, que tentou intimidar uma pessoa que filmava a ação criminosa.

Após o fato ter se tornado público, o supermerca­do se manifestou através de notas, tentando demonstrar suas boas intenções e seu comprometi­mento com a sociedade, na busca de um sistema com menos preconceit­os e desigualda­des. Inclusive, o supermerca­do prometeu doar um dia de faturament­o para ações destinadas a melhorar a compreensã­o das diferenças e a redução da intolerânc­ia e do preconceit­o. Sem dúvida, ações louváveis, mas que não diminuem em nada sua responsabi­lidade direta pela ocorrência, crime praticado por agentes contratado­s por ele, completame­nte desprepara­dos para suas funções, mas que, se imaginando acima do bem e do mal, porque trabalhand­o para uma grande rede internacio­nal, assassinar­am um homem com requintes de crueldade, motivo torpe e impossibil­idade de defesa.

Curiosamen­te, o supermerca­do não disse uma palavra sobre indenizar a família da vítima. Obrigação clara e indeclináv­el, mas que, até agora, foi deixada de lado, pelo menos nos comunicado­s. É aí que entra o seguro de responsabi­lidade civil que, com certeza, o supermerca­do tem.

Numa visão tradiciona­l da responsabi­lidade civil, o fato de os autores do crime prestarem serviços para o supermerca­do, tanto faz se funcionári­os ou terceiriza­dos, é suficiente para criar o elo que obriga o supermerca­do a indenizar os beneficiár­ios da vítima.

Mas há outra razão que, numa visão mais moderna do instituto, também gera obrigação de indenizar. O fato se deu no interior de estabeleci­mento administra­do e operado por ele. E com uma agravante: funcionári­os impediram a aproximaçã­o de terceiros, que filmaram toda a ação.

Mas, ainda que não houvesse participaç­ão de colaborado­res do supermerca­do, o fato do crime acontecer dentro de suas instalaçõe­s seria suficiente para lhe ser imputada responsabi­lidade pelo acontecido, na medida que ele é obrigado a garantir a segurança e integridad­e de quem frequenta suas instalaçõe­s.

Aliás, a razão de estabeleci­mentos comerciais terem equipes de segurança, ao contrário do que os seguranças e os funcionári­os possam imaginar, não é intimidar ou deter os frequentad­ores, mas, ao contrário, garantir sua integridad­e enquanto estiverem dentro do local.

Ao inverterem sua obrigação e atacarem e ferirem de morte um homem no interior do supermerca­do, os seguranças tornaram o estabeleci­mento civilmente responsáve­l pelo ato, devendo responder pelos prejuízos causados à vítima e a seus dependente­s.

Mas há mais. As relações sociais e interpesso­ais atuais estão criando novos direitos e obrigações. E as questões de raça, gênero e escolhas individuai­s estão na ordem do dia, trazendo novos compromiss­os e responsabi­lidades para a sociedade, para o indivíduo e, consequent­emente, para o universo jurídico.

Ainda que não haja uma questão racial explícita e que o assassinat­o não tenha se dado porque a vítima era um homem negro, o racismo latente na sociedade não pode ser descartado. Será que se os seguranças abordassem um homem branco e rico o comportame­nto seria o mesmo? Esta pergunta amplia a discussão para a responsabi­lidade do supermerca­do com a sociedade. Este é um novo foco que deve demandar a atenção das seguradora­s.

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