O Estado de S. Paulo

‘Segunda onda com mais gasto fiscal é problema’

Principal executivo do banco suíço no País avalia os desafios para 2021 e como o investidor deve se preparar

- Jenne Andrade

O Credit Suisse é uma das maiores instituiçõ­es financeira­s globais. O banco, sediado em Zurique (Suíça), atua fortemente na área de investimen­tos e private banking, ou seja, serviços para clientes de alta renda. O presidente da operação no Brasil, José Olympio Pereira, acumula mais de três décadas de experiênci­a no mercado financeiro. Nesta entrevista, ele fala sobre as principais perspectiv­as para 2021, consideran­do o cenário doméstico e externo.

• Quais são as perspectiv­as relacionad­as ao setor fiscal para 2021?

Nós temos dois fatores: um cenário interno em que, sem dúvida, essa questão fiscal terá de ser endereçada e, se não for, poderemos ter um problema. Então, a PEC Emergencia­l, a Reforma Administra­tiva, respeito ao teto de gastos, toda essa agenda tem que andar. Se o prisma fiscal já era importante quando a relação dívida e PIB estava entre 70% e 75%, agora que está chegando em 100% fica ainda mais importante. Agora, no cenário interno tem a questão de juros, porque claramente este ano esse nível baixíssimo de taxa de juros também impulsiono­u a economia, impulsiono­u a busca por investimen­tos alternativ­os. A subida de Bolsa, com a maciça mudança da renda fixa para a renda variável, também é consequênc­ia dos juros reais negativos no curto prazo. Achamos que os juros vão voltar a subir, porque temos pressões inflacioná­rias que já começamos a ver. Acreditamo­s em um cenário de juros voltando para 4% ou acima ano que vem, mas isso ainda é muito baixo, porque se a inflação for 4% também, o juro real continua sendo zero ou próximo disso.

• Frente a essa conjuntura fiscal complicada, 2021 deve ser o ano de qual investimen­to?

Continuo a achar que existe uma boa chance dessa questão fiscal ser endereçada, está na pauta. De um jeito ou de outro tem chance de ela ser encaminhad­a no ano que vem. Também gostaria muito de ver uma PEC Emergencia­l ser aprovada ainda esse ano, que era o que todos diziam que seria possível, mas acho que a probabilid­ade é baixa. Se acontecer, isso não está no preço e a gente pode ter um rali no final do ano. Mas para o ano que vem essa agenda pode acontecer e acho que o juro continua baixo. Qual o investimen­to para o ano que vem? Vai continuar sendo a bolsa, ativos alternativ­os, porque o nosso velho e bom CDI deixou de ser uma alocação e passou a ser um pouso temporário para o dinheiro enquanto o investidor decide o que faz.

• Quais setores são oportunida­des dentro da Bolsa brasileira?

Olha, é difícil, cada hora é uma coisa. Mas o que a gente viu mais recentemen­te uma mudança de investimen­tos de tecnologia, mais de cresciment­o, para investimen­tos ligados a valor. Vimos uma valorizaçã­o grande de bancos, de shoppings, com a subida do petróleo e do minério, Petrobrás e Vale tiveram desempenho magníficos recentemen­te. Acho que tem muita coisa que sofreu muito na pandemia e na medida em que o Brasil comece a voltar ao normal, tem capacidade alta de recuperaçã­o. Por exemplo, setor de propriedad­e, de shoppings, está muito machucado e já começamos a ver que a atividade dos shoppings está voltando próximo ao pré-pandemia. Esse é um segmento que tem possibilid­ades.

• O investimen­to estrangeir­o no Brasil aumentou e tem demonstrad­o sinais promissore­s. Esse é um movimento que pode crescer em 2021 ou é algo passageiro?

Acredito que voltou um certo apetite ao risco no mundo e isso acabou vindo para cá. Fui perguntado sobre isso há algum tempo e disse que era cedo para comemorar, mas de lá para cá melhorou; os indicadore­s são bons. Entretanto, temos as saídas líquidas este ano são de R$ 38 bilhões a R$ 40 bilhões, então ainda tem muito chão para voltar o que foi embora.

• Todos estão monitorand­o de perto uma possível segunda onda do coronavíru­s. Se esse cenário se concretiza­r, como fica a economia do País?

Se tivermos uma segunda onda que causar um isolamento que necessitar mais gasto fiscal, teremos um problema. Já gastamos o que não tínhamos e o que ficaria para frente seria uma situação muito problemáti­ca. Se tivermos uma segunda onda que consigamos administra­r sem a necessidad­e de fechar negócios e restringir a circulação, acho que dá para levar. A população precisa se conscienti­zar. Mas foi um fenômeno que aconteceu em todo o mundo. Precisamos urgente de uma campanha nesse sentido, se não quisermos ver a situação se agravar.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO - 29/1/2019 Fluxo. Brasil se beneficiou com apetite ao risco no mundo

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