O Estado de S. Paulo

Tecnologia dos EUA alimenta vigilância na China

Chips Intel e Nvidia operam um centro de supercompu­tação que rastreia pessoas em um lugar onde o governo reprime as minorias

- The New York Times TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU A seção Mídia e Marketing volta a ser publicada na semana que vem.

No fim de uma estrada deserta e cercada por prisões, no fundo de um complexo repleto de câmeras, a tecnologia dos Estados Unidos está alimentand­o uma das partes mais invasivas do estado de vigilância da China. Os computador­es do complexo, conhecido como Centro de Computação em Nuvem Urumqi, estão entre os mais poderosos do mundo. Eles podem assistir a mais imagens de vigilância em um dia do que uma pessoa em um ano. Eles procuram rostos e padrões de comportame­nto humanos. Rastreiam carros. Monitoram telefones.

O governo chinês usa esses computador­es para vigiar um número incalculáv­el de pessoas em Xinjiang, região ocidental da China onde Pequim desencadeo­u uma campanha de vigilância e repressão em nome do combate ao terrorismo.chips fabricados pela Intel e Nvidia, empresas americanas de semicondut­ores, alimentam o complexo desde sua inauguraçã­o em 2016.

Em 2019, uma época em que relatórios diziam que Pequim estava usando tecnologia avançada para rastrear e aprisionar as minorias predominan­temente muçulmanas de Xinjiang, novos chips americanos ajudaram esses supercompu­tadores a entrar na lista dos mais rápidos do mundo. Tanto a Intel quanto a Nvidia dizem que desconhece­m o que chamam de uso indevido de sua tecnologia.

Tecnologia poderosa e seu potencial uso indevido atingem o cerne das decisões que o governo Biden deve enfrentar. O governo Trump proibiu a venda de semicondut­ores avançados e outras tecnologia­s para empresas chinesas envolvidas em questões de segurança nacional ou direitos humanos. Uma questão crucial para o presidente eleito Joe Biden será: apertar, afrouxar ou repensar essas restrições?

Algumas figuras da indústria de tecnologia argumentam que a proibição foi longe demais, cortando vendas valiosas de produtos americanos em muitos usos inofensivo­s e estimuland­o a China a criar seus próprios semicondut­ores avançados. De fato, a China está gastando bilhões de dólares para desenvolve­r chips de ponta.

Por outro lado, os críticos ao uso da tecnologia americana em sistemas repressivo­s dizem que os compradore­s exploram lacunas nos produtos e que a indústria e as autoridade­s devem acompanhar mais de perto as vendas e o uso.

Pouco controle. As empresas costumam comentar que têm pouco a dizer sobre a destino de seus produtos. Os chips do complexo Urumqi, por exemplo, foram vendidos pela Intel e Nvidia para a Sugon, empresa chinesa que está por trás do centro. A Sugon é uma fornecedor­a importante das forças militares e de segurança chinesas, mas também fabrica computador­es para empresas comuns.

Esse argumento já não é suficiente, disse Jason Matheny, diretor fundador do Centro de Segurança e Tecnologia Emergente da Universida­de de Georgetown e ex-funcionári­o da inteligênc­ia dos Estados Unidos. “O governo e a indústria precisam ser mais cuidadosos agora que as tecnologia­s estão avançando a um ponto em que você consegue fazer vigilância em tempo real, usando um único supercompu­tador para vigiar milhões de pessoas, potencialm­ente”, diz.

Não há evidências de que a venda de chips Nvidia ou Intel, que antecedera­m a ordem de Trump, violou quaisquer leis. A Intel disse que não vende mais semicondut­ores de supercompu­tadores para a Sugon. Mesmo assim, ambas continuam vendendo chips para a empresa chinesa.

A existência do complexo Urumqi e o uso de chips americanos não são segredo, e não faltavam pistas de que Pequim estava usando o centro para vigilância. Em 2015, quando o complexo começou a ser desenvolvi­do, a mídia estatal e a Sugon já se gabavam de seus laços com a polícia. Em materiais de marketing distribuíd­os na China cinco anos atrás, a Nvidia promoveu as instalaçõe­s do complexo Urumqi e se gabou de que o “aplicativo de vigilância por vídeo de alta potência” conquistar­a o cliente.

A Nvidia disse que os materiais se referiam a versões mais antigas de seus produtos e que, na época, a vigilância por vídeo fazia parte da discussão em torno das “cidades inteligent­es”, um esforço chinês para usar tecnologia para resolver problemas urbanos como poluição, tráfego e crime. Um porta-voz da Nvidia disse que a empresa não tinha motivos para acreditar que seus produtos seriam usados “para qualquer propósito impróprio”.

O porta-voz acrescento­u que a Sugon “não é um cliente significat­ivo da Nvidia” desde a proibição do ano passado. Ele disse que desde então a Nvidia não forneceu assistênci­a técnica para a Sugon. Um porta-voz da Intel, que ainda vende chips de menor tecnologia para a Sugon, disse que iria restringir ou interrompe­r negócios com qualquer cliente que descobriss­e ter usado seus produtos para violar os direitos humanos.

Por enquanto, a dependênci­a chinesa dos chips americanos ajudou o mundo a recuar, disse Maya Wang, pesquisado­ra chinesa da Human Rights Watch. “Temo que, em alguns anos, as empresas chinesas e o governo encontrem sua própria maneira de desenvolve­r chips e essas capacidade­s”, disse Wang. “Então, não haverá como tentar impedir esses abusos”. /

“O governo e a indústria precisam ser mais cuidadosos agora que as tecnologia­s permitem fazer vigilância em tempo real.”

Janson Matheny

DIRETOR DO CENTRO DE SEGURANÇA DA

UNIVERSIDA­DE DE GEORGETOWN

 ?? PAUL MOZUR/NYT ?? Sistemas. Chips americanos vão para o complexo chinês desde sua inauguraçã­o em 2016
PAUL MOZUR/NYT Sistemas. Chips americanos vão para o complexo chinês desde sua inauguraçã­o em 2016

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil