Tecnologia dos EUA alimenta vigilância na China
Chips Intel e Nvidia operam um centro de supercomputação que rastreia pessoas em um lugar onde o governo reprime as minorias
No fim de uma estrada deserta e cercada por prisões, no fundo de um complexo repleto de câmeras, a tecnologia dos Estados Unidos está alimentando uma das partes mais invasivas do estado de vigilância da China. Os computadores do complexo, conhecido como Centro de Computação em Nuvem Urumqi, estão entre os mais poderosos do mundo. Eles podem assistir a mais imagens de vigilância em um dia do que uma pessoa em um ano. Eles procuram rostos e padrões de comportamento humanos. Rastreiam carros. Monitoram telefones.
O governo chinês usa esses computadores para vigiar um número incalculável de pessoas em Xinjiang, região ocidental da China onde Pequim desencadeou uma campanha de vigilância e repressão em nome do combate ao terrorismo.chips fabricados pela Intel e Nvidia, empresas americanas de semicondutores, alimentam o complexo desde sua inauguração em 2016.
Em 2019, uma época em que relatórios diziam que Pequim estava usando tecnologia avançada para rastrear e aprisionar as minorias predominantemente muçulmanas de Xinjiang, novos chips americanos ajudaram esses supercomputadores a entrar na lista dos mais rápidos do mundo. Tanto a Intel quanto a Nvidia dizem que desconhecem o que chamam de uso indevido de sua tecnologia.
Tecnologia poderosa e seu potencial uso indevido atingem o cerne das decisões que o governo Biden deve enfrentar. O governo Trump proibiu a venda de semicondutores avançados e outras tecnologias para empresas chinesas envolvidas em questões de segurança nacional ou direitos humanos. Uma questão crucial para o presidente eleito Joe Biden será: apertar, afrouxar ou repensar essas restrições?
Algumas figuras da indústria de tecnologia argumentam que a proibição foi longe demais, cortando vendas valiosas de produtos americanos em muitos usos inofensivos e estimulando a China a criar seus próprios semicondutores avançados. De fato, a China está gastando bilhões de dólares para desenvolver chips de ponta.
Por outro lado, os críticos ao uso da tecnologia americana em sistemas repressivos dizem que os compradores exploram lacunas nos produtos e que a indústria e as autoridades devem acompanhar mais de perto as vendas e o uso.
Pouco controle. As empresas costumam comentar que têm pouco a dizer sobre a destino de seus produtos. Os chips do complexo Urumqi, por exemplo, foram vendidos pela Intel e Nvidia para a Sugon, empresa chinesa que está por trás do centro. A Sugon é uma fornecedora importante das forças militares e de segurança chinesas, mas também fabrica computadores para empresas comuns.
Esse argumento já não é suficiente, disse Jason Matheny, diretor fundador do Centro de Segurança e Tecnologia Emergente da Universidade de Georgetown e ex-funcionário da inteligência dos Estados Unidos. “O governo e a indústria precisam ser mais cuidadosos agora que as tecnologias estão avançando a um ponto em que você consegue fazer vigilância em tempo real, usando um único supercomputador para vigiar milhões de pessoas, potencialmente”, diz.
Não há evidências de que a venda de chips Nvidia ou Intel, que antecederam a ordem de Trump, violou quaisquer leis. A Intel disse que não vende mais semicondutores de supercomputadores para a Sugon. Mesmo assim, ambas continuam vendendo chips para a empresa chinesa.
A existência do complexo Urumqi e o uso de chips americanos não são segredo, e não faltavam pistas de que Pequim estava usando o centro para vigilância. Em 2015, quando o complexo começou a ser desenvolvido, a mídia estatal e a Sugon já se gabavam de seus laços com a polícia. Em materiais de marketing distribuídos na China cinco anos atrás, a Nvidia promoveu as instalações do complexo Urumqi e se gabou de que o “aplicativo de vigilância por vídeo de alta potência” conquistara o cliente.
A Nvidia disse que os materiais se referiam a versões mais antigas de seus produtos e que, na época, a vigilância por vídeo fazia parte da discussão em torno das “cidades inteligentes”, um esforço chinês para usar tecnologia para resolver problemas urbanos como poluição, tráfego e crime. Um porta-voz da Nvidia disse que a empresa não tinha motivos para acreditar que seus produtos seriam usados “para qualquer propósito impróprio”.
O porta-voz acrescentou que a Sugon “não é um cliente significativo da Nvidia” desde a proibição do ano passado. Ele disse que desde então a Nvidia não forneceu assistência técnica para a Sugon. Um porta-voz da Intel, que ainda vende chips de menor tecnologia para a Sugon, disse que iria restringir ou interromper negócios com qualquer cliente que descobrisse ter usado seus produtos para violar os direitos humanos.
Por enquanto, a dependência chinesa dos chips americanos ajudou o mundo a recuar, disse Maya Wang, pesquisadora chinesa da Human Rights Watch. “Temo que, em alguns anos, as empresas chinesas e o governo encontrem sua própria maneira de desenvolver chips e essas capacidades”, disse Wang. “Então, não haverá como tentar impedir esses abusos”. /
“O governo e a indústria precisam ser mais cuidadosos agora que as tecnologias permitem fazer vigilância em tempo real.”
Janson Matheny
DIRETOR DO CENTRO DE SEGURANÇA DA
UNIVERSIDADE DE GEORGETOWN