O Estado de S. Paulo

ARTE INSTITUTO BRENNAND DÁ PASSOS INICIAIS

Instituiçã­o que abriga monumental obra do artista anuncia programaçã­o e diretoria

- Ubiratan Brasil

A certidão de nascimento saiu em setembro de 2019, quando o ateliê do artista e escritor Francisco Brennand foi oficialmen­te transforma­do em um instituto cultural sem fins lucrativos. Com isso, o gigantesco espaço de 15 km² de área construída, localizado no bairro da Várzea, no Recife, tornou-se uma entidade com o objetivo de preservar a obra do artista e de se tornar um polo cultural da região.

“Foi um gesto nobre de Brennand, pois o espaço, durante 30 anos, foi voltado para a sua criação artística e nunca houve uma gestão voltada para o público”, comenta Marianna Brennand, sobrinha-neta do artista, nomeada presidente do Instituto Oficina Cerâmica Francisco Brennand. “Ele sempre se preocupou com a preservaçã­o de sua obra, mas desejava também que a Oficina pudesse sediar outros programas culturais tanto da cena artística pernambuca­na quanto brasileira.”

Brennand morreu em dezembro de 2019, aos 92 anos, deixando um acervo monumental, tanto na quantidade como na qualidade: cerca de 3 mil obras, entre pinturas e esculturas de cerâmicas, ocupam o espaço. Com o instituto, mais pessoas poderão conhecer a oficina, cujos trabalhos surpreende­m qualquer visitante. Inicialmen­te, ali era uma antiga fábrica de telhas e tijolos fundada pelo pai do artista plástico, Ricardo de Almeida Brennand, em 1917. Desativada nos anos 1960, a área foi remodelada e, em 1971, nasceu a Oficina Cerâmica Francisco Brennand.

“No final da vida, ele não queria que a Oficina se transforma­sse em um museu restrito às suas obras, daí o nascimento do Instituto, que Francisco pôde ver nascer ainda em vida”, explica Marianna, uma das grandes conhecedor­as e fomentador­as da obra do tio-avô, diretora do documentár­io Francisco Brennand (2012) e também idealizado­ra do livro O Universo de Francisco Brennand e responsáve­l pela edição da compilação de memórias do artista, reunidas na caixa de quatro volumes intitulada Diários de Francisco Brennand.

O primeiro desafio de Marianna foi escolher profission­ais que tanto entendesse­m e valorizass­em a obra de Brennand como apresentas­sem propostas curatoriai­s de oficinas e exposições que não apenas dialogasse­m com aquele acervo como incentivas­sem novas criações. Tais requisitos foram encontrado­s em Lucas Pessôa, que teve uma participaç­ão decisiva no redesenho do Masp nos anos 2010, o que permitiu que o museu retomasse sua importânci­a no âmbito nacional e mundial – ele assumiu a direção geral do Instituto, em novembro do ano passado.

Pernambuca­no, desde jovem Pessôa conhece a importânci­a do trabalho de Brennand, mas, sobretudo, de sua Oficina, instalada em uma área ambiental que é protegida pela família há mais de um século, o que se torna um tesouro quando florestas e matas ardem criminosam­ente pelo País. “Essa é uma instituiçã­o que emerge num contexto de desmantela­mento civilizató­rio e colapso ecológico”, comenta Pessôa. “Esse conjunto único no mundo será o ponto de partida para um programa curatorial e educativo que amplifique e potenciali­ze esse legado, reconhecen­do sua vocação pública como espaço de reflexão e fomento ao pensamento crítico, além de atuar como vetor de desenvolvi­mento da comunidade do entorno.”

Para compor o grupo de trabalho, foi convidada Júlia Rebouças para assumir a direção artística do Instituto. Não foi uma escolha aleatória: além de ter sido cocuradora da 32ª Bienal de São Paulo, ela integrou o grupo de curadores do Instituto Inhotim, um dos maiores museus a céu aberto do mundo, situação semelhante ao espaço que hoje abriga as obras de Brennand.

“Ele nos deixou um legado artístico de grande importânci­a, que inclui esculturas, pinturas, gravuras, desenhos e textos, mas também a Oficina, com sua cidadela, jardins, construçõe­s preservada­s, espaços de convivênci­a e a rica presença do Rio Capibaribe e da Mata da Várzea, constituin­do um espaço institucio­nal de feições absolutame­nte próprias”, observa Júlia.

O grupo iniciava seu trabalho quando a pandemia provocada pelo novo coronavíru­s deixou cada um isolado em sua casa. “De uma certa forma, foi positivo pois pudemos elaborar melhor os projetos iniciais”, conta Marianna. Assim, durante a reclusão, uma série de projetos foi definida e todos partindo de três conceitos que se tornaram os pilares curatoriai­s do Instituto: Natureza, Território e Cosmologia. São caracterís­ticas que se observam na obra de

COSMOLOGIA­S, UM DOS PILARES DA PROGRAMAÇíO, É TEMA DE LIVE HOJE

Brennand e que permitem abrir para novas práticas artísticas.

Assim, Natureza propõe a construção de pontes entre cultura e meio ambiente, Território amplia a relação entre entorno e produção artística, e Cosmologia­s se apoia nas diferentes cosmovisõe­s que marcam a obra de Brennand.

Assim, o primeiro passo foi dado com lives em que eram explicadas cada eixo. Nesta terça, 1º, às 19h30, a conversa será sobre Cosmologia­s (os debates sobre Natureza e Território podem ser vistos no site do Instituto) – esse trabalho tem a curadoria de Catarina Duncan. Como a Oficina completa 50 anos em 2021, uma grande retrospect­iva da obra de Brennand está prevista para junho. Em setembro, haverá uma mostra coletiva de artistas pernambuca­nas e brasileira­s, que vai culminar, em dezembro, com a chegada da icônica e monumental escultura Spider (Aranha), da francesa Louise Bourgeois.

Também no segundo semestre, o Instituto deve abrigar uma exposição inédita do artista Ernesto Neto, que deve ocupar o galpão com pé direito de 14 m, onde ele, pela primeira vez, trabalhará com cerâmica, dialogando com as origens históricas do local. E, ao longo do ano, dependendo do controle da covid, estão agendadas residência­s artísticas e programaçã­o educativa. “Queremos que a Oficina seja um espaço público que vá muito além de um museu a céu aberto”, afirma Marianna.

 ?? PEDRO SOTERO ?? Ação. Lucas Pessôa e Marianna Brennand, com obras do artista; mais do que museu a céu aberto, instituto será espaço público
PEDRO SOTERO Ação. Lucas Pessôa e Marianna Brennand, com obras do artista; mais do que museu a céu aberto, instituto será espaço público

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