O Estado de S. Paulo

Supremo deve abrir caminho à reeleição no Congresso

- Vera Rosa

O STF deve abrir caminho para a reeleição no Congresso, tanto na Câmara quanto no Senado.

OSupremo Tribunal Federal (STF) vai construir uma solução jurídica que abrirá caminho para a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidênci­a da Câmara e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) ao comando do Senado, em fevereiro de 2021, mas deixará a última palavra sobre o assunto com o Congresso. No julgamento com início hoje, pelo plenário virtual, a tendência da Corte é lavar as mãos, sob o argumento de que a questão é “interna corporis” e deve ser resolvida pelo Legislativ­o. É aí que começa o segundo tempo do jogo e também os problemas.

Chefiado pelo deputado Arthur Lira (Progressis­tas-AL), candidato à cadeira de Maia, o Centrão tenta impedir que a tese da recondução à presidênci­a da Câmara prospere. Lira até aceitaria o que um manifesto lançado por seu partido, chancelado por 12 siglas, chamou de “casuísmo tacanho”, se a proposta fosse somente para reconduzir Alcolumbre. A justificat­iva para essa interpreta­ção é a de que o mandato no Senado é de oito anos – e não quatro.

O Palácio do Planalto apoia a candidatur­a de Lira, mas a ordem no governo é silenciar sobre denúncias que atinjam o deputado. Auxiliares do presidente Jair Bolsonaro não escondem a preocupaçã­o, porém, com o impacto de reportagem publicada ontem pelo Estadão, mostrando que Lira esteve à frente de um milionário esquema de “rachadinha” quando era deputado estadual em Alagoas. A acusação é do Ministério Público Federal.

O caso provoca mal-estar no Planalto até mesmo por lembrar o escândalo da “rachadinha” na Assembleia do Rio, que envolve o senador Flávio Bolsonaro (Republican­osRJ), filho do presidente. Embora oficialmen­te o próprio Bolsonaro diga que o governo não interfere na disputa pelo comando da Câmara e do Senado, na prática ele depende do Centrão para sobreviver no Congresso e, por isso, avaliza a candidatur­a de Lira.

Em conversa reservada, um assessor do presidente tentou amenizar a denúncia, sob alegação de que nada está provado – o deputado foi condenado na esfera cível, mas ainda responde a uma ação penal na Justiça de Alagoas. Nos bastidores, porém, articulado­res do governo já começaram a medir a temperatur­a do potencial de crise.

Maia afirma que não será candidato à terceira reeleição, mesmo que o Supremo o autorize. Na noite de terça-feira, o deputado promoveu um jantar em sua casa com líderes e dirigentes de partidos da oposição, como PT, PSB, PDT e PSOL. O presidente da Câmara se movimenta para formar um bloco de aliados em torno de uma chapa para sua sucessão. Se Maia não concorrer mesmo, ganha força o nome do deputado Baleia Rossi (SP), que preside o MDB.

A esquerda é vista como fiel da balança nesse jogo e pode decidir o desfecho da partida. Embora a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, tenha assinado o manifesto redigido pelo Progressis­tas de Lira, contra a reeleição na Câmara e no Senado, a maioria de deputados e senadores petistas apoia novo mandato para Maia e Alcolumbre.

O Diretório Nacional do PT vai se reunir na segunda-feira, em videoconfe­rência, não apenas para lavar a roupa suja, na esteira das derrotas eleitorais – foi a primeira vez, em 35 anos, que o partido não conquistou uma capital –, mas também para decidir a posição diante do imbróglio no Congresso. A portas fechadas, no entanto, parlamenta­res do PT lembram que, mesmo se houver uma resolução contrária à reeleição, na hora H o voto para a disputa na Câmara e no Senado é secreto.

Após o veredito do Supremo, caberá ao Congresso decidir, ainda, se o entendimen­to da Corte será autoaplicá­vel, se haverá necessidad­e de mudar o regimento das Casas e assim por diante. O grupo de Lira sustenta que, como a Constituiç­ão proíbe a recondução dos presidente­s da Câmara e do Senado na mesma legislatur­a, qualquer mudança terá de passar pelo crivo do plenário. E por meio de uma Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC), o que tornaria inviável a alteração das regras, nessa altura do campeonato, pois exige o apoio de 308 deputados e 49 senadores, em duas votações.

Nesse cenário de incertezas, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello tem reagido com ironia a pressões para apresentar um destaque ao analisar o caso. Um recurso assim teria o poder não apenas de interrompe­r o julgamento no plenário virtual, onde os magistrado­s se posicionam longe dos olhares da opinião pública, mas também de empurrá-lo para sessões transmitid­as ao vivo pela TV Justiça.

“Como bom carioca, só conhecia destaque de escola de samba. Ou seja, no carnaval. Agora, temos o destaque também na sessão virtual e, acredito, sem fantasia”, disse Marco Aurélio, que já se declarou contra a reeleição. Brincadeir­as à parte, o carnaval no Congresso está bem longe de acabar.

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