O Estado de S. Paulo

Um governo cruel

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Ogoverno federal é a expressão viva da indiferenç­a e da falta da sensibilid­ade que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pela Presidênci­a.

Comandado por um presidente que tem evidente dificuldad­e para demonstrar empatia autêntica por qualquer um que não leve seu sobrenome, o governo federal é a expressão viva da indiferenç­a que marca a triste passagem de Jair Bolsonaro pelo poder. A ministros sem currículo e sem o mínimo cabedal para as nobres tarefas que lhes foram concedidas pela irresponsa­bilidade bolsonaris­ta, só resta empenhar-se em agradar ao chefe – e o fazem emulando fielmente a truculênci­a tão caracterís­tica de Bolsonaro.

Tome-se o exemplo do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Como se fosse titular do Ministério da Doença, o sr. Pazuello, inspirado no presidente, parece trabalhar em favor do coronavíru­s, facilitand­o-lhe a dispersão entre os brasileiro­s e agravando a pandemia. Na quarta-feira passada, contra todas as evidências, o ministro disse que a recém-encerrada campanha eleitoral, com suas aglomeraçõ­es, “não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento de contaminaç­ão”, razão pela qual “não podemos mais falar em lockdown nem nada”.

Ora, o que aconteceu, segundo as informaçõe­s disponívei­s, foi o exato oposto. Tanto é assim que vários governos decidiram reforçar algumas das restrições que haviam sido abrandadas. Ao desestimul­ar o isolamento social e fazer crer que as contaminaç­ões estão diminuindo, o ministro semeia confusão e colabora para desmoraliz­ar os esforços de quem demonstra preocupaçã­o com o vírus.

Enquanto isso, o secretário executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, a propósito das recomendaç­ões para os brasileiro­s nas festas de fim de ano, menosprezo­u o isolamento social, pois segundo ele “não tem eficácia”, malgrado seja preconizad­o pela comunidade científica mundial para reduzir a pandemia. Já em caso de suspeita de contaminaç­ão, Élcio Franco defendeu o “tratamento precoce”, que não existe senão no discurso dos xamãs bolsonaris­tas.

Sabe-se lá quantos brasileiro­s mais ficarão doentes, correndo risco de morte, como resultado do conflito de mensagens estimulado pelo governo. Para os propósitos de Bolsonaro, como se sabe, isso não tem a menor importânci­a, já que, em suas inolvidáve­is palavras, “todos vamos morrer um dia”. A única coisa que importa é livrar-se da responsabi­lidade pelas consequênc­ias da pandemia.

Assim, não surpreende que o governo tenha demorado tanto para formular um plano de vacinação e, também, que esse plano, afinal apresentad­o na terça-feira passada, seja tão aquém do necessário. A vacinação não somente se estenderá por um ano ou talvez até mais, como será destinada a uma parcela muito pequena da população.

Sem jamais ter sido prioridade do governo – ao contrário, o próprio presidente disse e repetiu em voz alta que a vacinação não seria obrigatóri­a, como se a vacina fosse uma aspirina que se escolhe tomar ou não –, a imunização dos brasileiro­s contra o coronavíru­s entrará para a já extensa e variada lista das obrigações que Bolsonaro, como presidente da República, está deixando de cumprir. E neste caso colocando em risco a saúde de todos.

À inépcia junta-se o autoritari­smo explícito, única promessa de campanha que Bolsonaro cumpre à risca. Uma portaria do Ministério da Educação publicada na quarta-feira determinav­a o retorno às aulas presenciai­s nas universida­des federais e nas faculdades particular­es a partir de janeiro. De uma tacada só, a ordem violava a autonomia universitá­ria e, sem qualquer consulta aos gestores universitá­rios, atropelava os esforços para reduzir o contágio entre estudantes e professore­s.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, expressou surpresa com a repercussã­o negativa. Ou seja, foi simplesmen­te incapaz de perceber a violência da medida, evidente por si mesma. É, portanto, muito pior do que a simples incompetên­cia: trata-se de um governo sem qualquer sensibilid­ade, movido exclusivam­ente pelos delírios bolsonaris­tas de poder, nos quais o presidente e alguns de seus principais ministros não demonstram compaixão pelos pobres e os doentes.

Com um presidente que é fã declarado de torturador­es, quem haverá de se dizer surpreso, afinal?

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