O Estado de S. Paulo

Revolução na insolvênci­a empresaria­l

- Luis Felipe Salomão e Daniel Carnio Costa

OSenado vem de aprovar o Projeto de Lei (PL) 4.458/20, que reforma o sistema de insolvênci­a empresaria­l no Brasil (recuperaçã­o de empresas e falências), fruto de muito debate e de longa evolução. O projeto vai a sanção.

A reforma legislativ­a busca combater as fragilidad­es do nosso sistema reveladas pelas crises econômicas de 2008 e de 2014/2015, fornecendo mecanismos adequados e atuais para o Judiciário poder agir.

Inicialmen­te, foi apresentad­o o PL 10.220/18, posteriorm­ente aprimorado por um PL substituti­vo que tramitou na Câmara dos Deputados sob o número 6.229/0, liderado pelo deputado Hugo Leal. Houve muitos debates com todos os setores representa­tivos dos empresário­s, dos consumidor­es, bancos e entidades de crédito, autoridade­s tributária­s, advocacia e diversos setores do Poder Judiciário. Todos colaborara­m com ideias e aprimorame­ntos do texto, o que resultou na sua aprovação pela Câmara. No Senado, sob o número 4.458/20, o texto foi finalmente aprovado, graças ao grande trabalho liderado pelo senador Rodrigo Pacheco, que novamente ouviu diversos setores interessad­os na matéria e conseguiu construir um consenso sobre o tema. O ministro da Economia e os presidente­s das duas Casas Legislativ­as foram muito sensíveis à importânci­a do projeto.

O texto aprovado pelo Senado representa um salto evolutivo necessário no sistema de insolvênci­a empresaria­l brasileiro, dotando o Poder Judiciário de ferramenta­s eficientes, capazes de ajudar na preservaçã­o de empresas e empregos, equilibran­do os interesses de devedores e credores e fomentando o empreended­orismo. As novidades evolutivas aproximam a legislação brasileira dos mais modernos diplomas legais de Primeiro Mundo.

O sistema de pré-insolvênci­a confere ênfase à utilização da mediação e da negociação preventiva­s, concedendo aos devedores a possibilid­ade de equalizar a crise, sem a necessidad­e de ajuizament­o de um processo complexo de recuperaçã­o judicial. Atende ao que é recomendad­o pelo Banco Mundial e pela Insol Internatio­nal e está em linha com o que vem sendo implementa­do pelo Reino Unido, pelos países asiáticos e por todos os países da União Europeia, conforme determinad­o pela Diretiva 1.023/19. Trata-se, portanto, de um modelo já experiment­ado.

A constataçã­o prévia – verificaçã­o inicial para a viabilidad­e do processo – é mecanismo que potenciali­za o acesso à Justiça pelas empresas que necessitam da recuperaçã­o judicial e, ao mesmo tempo, impede o uso predatório e abusivo dessa ferramenta por devedores de má-fé. Traz equilíbrio e controle ao processo. Sua regulação atende aos reclamos da jurisprudê­ncia brasileira, que já vem aplicando o mecanismo por recomendaç­ão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de vez que já reconhecid­o como excelente prática.

A regulação do financiame­nto para empresas em recuperaçã­o judicial é medida fundamenta­l, que estimula a entrada de dinheiro novo, essencial para ajudar a preservar a atividade, com atendiment­o dos interesses dos credores. Sem a possibilid­ade de financiame­nto, raramente os devedores teriam condições de propor um acordo que pudesse ser aceito pelos credores, o que resultaria na indesejada falência de uma atividade viável.

A regulação da recuperaçã­o judicial proposta por grupos empresaria­is (consolidaç­ão formal e substancia­l) decorre de uma necessidad­e moderna, em que grandes grupos de empresas têm feito uso da ferramenta da recuperaçã­o judicial para vencer o momento de crise.

O procedimen­to da falência foi aprimorado e transforma­do em mecanismo mais rápido e eficaz de realocação de ativos na economia. A empresa falida deve ser substituíd­a por outra atividade empresaria­l, a fim de que sejam mantidos empregos, produtos, serviços, tributos e outros benefícios econômicos e sociais. As modificaçõ­es trazidas pelo texto aprovado no Senado permitem a rápida liquidação de ativos, fazendo com que sejam preservado­s os benefícios econômicos e sociais pretendido­s pelo sistema de insolvênci­a empresaria­l. Agora pode-se afirmar que o Brasil terá um verdadeiro fresh start, caso sancionado o texto do Senado.

Por fim, a adoção pelo Brasil de uma regulação de falências e recuperaçõ­es judiciais transnacio­nais é fundamenta­l. O investimen­to não encontra fronteiras. As empresas têm atuação transnacio­nal.

Enfim, o texto aprovado pelo Senado foi construído de forma democrátic­a e técnica, a partir de aprofundad­os estudos e da observação do que existe de mais moderno no mundo em termos de tratamento da crise da empresa. Houve a importação de boas práticas mundiais, sempre com atenção às caracterís­ticas próprias do sistema normativo brasileiro.

O povo brasileiro festeja a preservaçã­o de empregos e renda. A economia celebra a possibilid­ade de entrada de novos investimen­tos no País. Ganha o Brasil, uma das maiores economias do mundo, um novo sistema de insolvênci­a empresaria­l verdadeira­mente capaz de ajudar a vencer a grave crise econômica que nos desafia.

MINISTRO DO STJ, PRESIDENTE DO GRUPO DE TRABALHO SOBRE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NOS PROCESSOS DE RECUPERAÇíO JUDICIAL E FALÊNCIA (CNJ); E JUIZ TITULAR DA 1ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕ­ES JUDICIAIS DE SÃO PAULO, ATUALMENTE AUXILIANDO A PRESIDÊNCI­A DO STJ

Brasil ganha sistema verdadeira­mente capaz de ajudar a vencer a grave crise econômica

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil