O Estado de S. Paulo

Subserviên­cia a Trump no 5G

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Derrotado nos EUA, o presidente Donald Trump continua mandando no governo da segunda maior economia das Américas. Incapaz de entender o resultado da recente eleição norte-americana, o presidente Jair Bolsonaro insiste em seguir seu líder, sujeitando à sua orientação os interesses diplomátic­os e econômicos do Brasil. Em mais uma demonstraç­ão de fidelidade, o presidente brasileiro busca uma forma legal de limitar a participaç­ão chinesa, por meio da fabricante Huawei, na implementa­ção da rede 5G no País.

A ideia, segundo apurou o Estado, é estabelece­r uma barreira com base em requisitos técnicos de segurança, disfarçand­o o objetivo de restringir a concorrênc­ia. Empresas brasileira­s de telecomuni­cações já se manifestar­am contra a limitação.

A sujeição à política trumpista já havia sido evidenciad­a mais uma vez, sem a preocupaçã­o de disfarce, em mensagem postada em rede social, no dia 23 de novembro, pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro. O governo Jair Bolsonaro, afirmou o deputado, “declarou apoio à Aliança Clean Network, lançada pelo governo Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.

A embaixada chinesa repudiou as palavras de Eduardo Bolsonaro e acusou-o de solapar a relação bilateral. O presidente da Frente Parlamenta­r BrasilChin­a, deputado Fausto Pinato, chamou de irresponsá­vel o filho do presidente e lembrou a importânci­a do mercado chinês para as exportaçõe­s brasileira­s. O diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador nos EUA e na China, apontou “imensa irresponsa­bilidade” e falou do risco de “graves danos” a interesses comerciais brasileiro­s.

A desastrada mensagem de Eduardo Bolsonaro foi apenas mais uma demonstraç­ão de subserviên­cia. Ele já havia posado para foto, em Washington, usando um boné de campanha próreeleiç­ão de Donald Trump. Quando um parlamenta­r brasileiro se exibe como cabo eleitoral de um presidente estrangeir­o, dificilmen­te qualquer de suas impropried­ades causará surpresa.

Não surpreende­rá, mas poderá prejudicar seriamente o Brasil. Seu único efeito positivo é eliminar qualquer dúvida sobre a sujeição – sua e de seu líder imediato, o presidente Bolsonaro – a um governante de outro país.

Não se trata, é importante distinguir, de um alinhament­o ou de uma aliança entre dois Estados, mas da subordinaç­ão de um chefe de governo ao chefe de governo de outro país, um caso de sujeição pessoal. O recém-eleito presidente dos EUA, Joe Biden, poderá manter a rivalidade comercial e tecnológic­a com a China, mas a posição do presidente brasileiro foi definida a partir de uma orientação pessoal de Donald Trump.

Alertadas sobre a disposição do presidente Bolsonaro de limitar a concorrênc­ia no caso da tecnologia 5G, empresas brasileira­s já se manifestar­am. Posições contrárias à restrição foram indicadas pela Conexis Brasil Digital (representa­nte das operadoras Vivo, Claro, Tim e Oi) e pela Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestru­tura de Redes de Telecomuni­cações e Informátic­a (Feninfra). A Huawei já tem participaç­ão importante no sistema brasileiro de telecomuni­cações. Sua substituiç­ão por outros fornecedor­es de equipament­os poderá encarecer a implantaçã­o do sistema 5G, alertam as empresas. A melhor solução, insistem, é permitir ampla concorrênc­ia para atendiment­o a todos os tipos de demanda.

O presidente Bolsonaro, seus filhos e o ministro de Relações Exteriores têm com frequência ignorado os interesses diplomátic­os e comerciais do Brasil. Criaram situações de conflito com parceiros comerciais importante­s, como a China, a União Europeia e países muçulmanos.

Em várias ocasiões foi preciso cuidar dos danos causados por ações desastrada­s e incompeten­tes dessas figuras. O despreparo do presidente e de figuras do seu entorno pode explicar muitos de seus erros sem, no entanto, justificá-los. O ministro da Economia sabe dos planos de restrição à concorrênc­ia na implantaçã­o da tecnologia 5G. Alertar o presidente para evitar mais esse erro será, no mínimo, uma demonstraç­ão de autorrespe­ito.

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