O Estado de S. Paulo

Anvisa já vetou uso de outros testes perto da validade

Mesmo com prazo maior, exames encalhados do Ministério da Saúde podem ser vetados; indústria quer que agência mude a regra

- Fabiana Cambricoli Mateus Vargas / BRASÍLIA

Os cerca de 7 milhões de testes de covid encalhados no Ministério da Saúde podem ser descartado­s mesmo se a Agência Nacional de Vigilância

Sanitária (Anvisa) aprovar a extensão da validade do produto. Isso porque, ao analisar pedido similar feito por uma empresa importador­a, a agência reconheceu a extensão da validade do exame, mas vetou o uso do produto e mandou a companhia incinerar o estoque.

O problema, de acordo com posicionam­entos recentes da Anvisa, está nos rótulos dos produtos já importados e que trazem os prazos de validade mais curtos. Em decisão da agência obtida pelo Estadão, a procurador­ia do órgão argumenta que seria ilegal a alteração do prazo registrado na embalagem. Além disso, a Anvisa vê risco de a manipulaçã­o destes rótulos afetar o produto, pois a mudança na embalagem teria de ser delegada a empresas que “não fazem parte do sistema de qualidade do fabricante”. Tal argumento foi acatado por unanimidad­e pela diretoria da agência em julgamento do pedido de uma importador­a que tinha milhares de testes rápidos sorológico­s próximos da data de validade.

O entendimen­to da agência, porém, é considerad­o incoerente por advogados e indústria. Com o imbróglio, os pedidos estão sendo levados à Justiça.

Para a advogada Maria Augusta Rost, sócia do escritório Barretto & Rost Advogados e representa­nte da importador­a que entrou com o pedido na agência, a resolução 208/2018 da Anvisa autoriza a rotulagem nacional de produtos importados. “É um argumento incompreen­sível porque quando as importador­as trazem os produtos de fora, os rótulos em português são incluídos aqui”, afirma ela.

A empresa entrou no dia 1.º com um mandado de segurança na Justiça Federal pedindo a suspensão da ordem de incineraçã­o do produto até que o mérito do processo – se os testes podem ser usados – seja julgado. Ontem, a Anvisa notificou a empresa de que suspenderi­a temporaria­mente a ordem de incineraçã­o até que o tema seja melhor avaliado.

Outras empresas vivem situação semelhante.

A estimativa da Câmara Brasileira de Diagnóstic­o Laboratori­al (CBDL) é de que, além dos milhões de exames encalhados do SUS, haja 9 milhões de unidades estocadas no setor privado que podem ser descartada­s pela interpreta­ção atual da agência. Trata-se principalm­ente de testes sorológico­s que receberam uma validade mais curta no começo da pandemia. De forma geral, a Anvisa aceitou estudos para aumentar o tempo de vida útil de exames importados a partir de agora, e não dos estoques.

Crítica. Presidente executivo da CBDL, Carlos Eduardo Gouvêa considera a proibição da Anvisa “legalista” e espera que a agência mude de interpreta­ção. “Os produtos estão adequados, eficazes e aptos a serem usados de forma correta, segura e com efeitos esperados”, diz ele.

Representa­ntes da indústria tiveram reunião com a Anvisa ontem sobre o caso. Segundo apurou o Estadão, a expectativ­a da indústria é de que a agência crie nova regra para permitir que os estoques sejam usados quando a validade do produto for ampliada. Não há ainda definição oficial da agência.

Indústria e advogados dizem que, caso o entendimen­to da Anvisa se mantenha, o ministério enfrentará o mesmo problema. O setor espera, no entanto, que um eventual aval da Anvisa para o uso dos testes do SUS beneficie o resto do mercado.

Gouvêa diz que alguns exames receberam uma validade “cartorial” da Anvisa, de seis meses, fixada por uma regra criada para agilizar a entrada dos produtos no País. “Há vários elementos que asseguram que o processo todo seja rastreável, seguro, o que até torna desnecessá­rio um ponto que o procurador levantou sobre mudar as etiquetas dos produtos.”

Fontes do governo acreditam que a Anvisa exigirá a análise de cada lote do teste encalhado para liberar ou não o uso, mesmo se a validade for ampliada. A fabricante do produto ficaria responsáve­l pela distribuiç­ão destes produtos.

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MINISTERIO DA SAUDE - 30/3/2020 Estoque. Ministério mantém sete milhões de testes em galpão e busca prorrogaçã­o da validade para viabilizar uso. Rótulo do produto pode virar empecilho

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