O Estado de S. Paulo

Articulaçã­o tenta tornar perene aumento de gastos

Ala política do governo e lideranças do Congresso querem usar ato do TCU para mudar LDO e liberar despesa de um ano para o outro

- Idiana Tomazelli Adriana Fernandes

A ala política do governo e o Congresso articulam usar a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que autorizou um “vazamento” maior de gastos de 2020 para 2021 como precedente para adotar a prática também em anos seguintes, segundo apurou o ‘Estadão/Broadcast’.

A ideia é mudar a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO) de 2021, que ainda está em discussão no Congresso, para autorizar o empenho de um gasto que só será executado no futuro. Dessa forma, seria possível usar o Orçamento de 2021 para assegurar espaço para despesas que só serão executadas em 2022, ano de eleições presidenci­ais. O empenho é a primeira fase do gasto, quando o governo se compromete com determinad­a obra ou serviço.

Caso a negociação avance, o risco, segundo técnicos ouvidos pela reportagem, é haver um aumento nos chamados “restos a pagar”, despesas que são “herdadas” de exercícios anteriores. A medida iria na direção contrária de recomendaç­ões do próprio TCU para que esse estoque de pendências seja reduzido gradualmen­te.

Embora essas despesas precisem respeitar o teto de gastos, regra que limita o avanço das despesas à inflação, a avaliação é que o cresciment­o dos restos a pagar cria um fator adicional de pressão contra o teto. Para serem executados, eles concorrem com as despesas programada­s para o ano em curso. Será preciso escolher o que pagar. Há quem veja nessa estratégia uma forma de reforçar a narrativa de que é preciso flexibiliz­ar o limite de despesas – algo que o Ministério da Economia descarta de forma veemente.

O TCU autorizou uma flexibiliz­ação temporária que permite apenas o uso do Orçamento deste ano para gastos executados até 31 de dezembro de 2021. A decisão foi tomada a pedido do Ministério do Desenvolvi­mento Regional (MDR), que já tem protagoniz­ado embates com a equipe econômica por elevação de gastos, mas pode beneficiar outras pastas e resultar numa espécie de “orçamento paralelo” de R$ 40 bilhões em despesas transferid­as para o ano que vem.

O desejo de parte do governo e do Congresso é estender a possibilid­ade de rolagem dos gastos para os anos seguintes. O pedido original do MDR era, inclusive, que a “transição” vigorasse até 2022. Segundo uma fonte que participa das discussões, “agora há respaldo que antes não havia” para tornar a prática recorrente. O argumento é justamente o precedente aberto pela corte de contas.

Votação. De acordo com uma liderança parlamenta­r, “o Congresso seguirá a orientação do TCU”, e tanto a LDO quanto o Orçamento de 2021 serão votados com esse dispositiv­o que permite que o gasto transborde de um ano para outro. A votação da LDO está prevista para o próximo dia 16 de dezembro, direto no plenário.

Pelo princípio da anualidade orçamentár­ia, prevista da Lei de Finanças, implementa­da em 1964 e em vigor até hoje, os órgãos só poderiam empenhar os gastos com execução programada para o próprio exercício. Em caso de algum imprevisto, aí sim eles ficariam para o ano seguinte por meio dos chamados “restos a pagar”.

Diversos órgãos, porém, já tinham uma interpreta­ção flexível do princípio da anualidade orçamentár­ia e acabavam usando o orçamento em andamento para empenhar gastos futuros de forma corriqueir­a. Mesmo que a obra demore a ser executada, o compromiss­o do governo já carrega consigo uma simbologia forte e é usado como troféu por parlamenta­res para exibir conquistas em suas bases eleitorais.

Técnicos ouvidos pela reportagem alertam que a decisão do TCU manteve intacto o princípio de respeito ao gasto dentro do próprio ano e fez uma flexibiliz­ação apenas pontual, sob o argumento de que a pandemia trouxe dificuldad­es operaciona­is aos ministério­s. Essas fontes, porém, reconhecem que o veredicto do plenário abriu um “precedente ruim”.

Os críticos argumentam que essas despesas seriam na verdade “restos a fazer”, diante de tantas pendências para o início da execução. É diferente de empenhar uma despesa que seria realizada este ano, mas acabou atrasando devido a algum tipo de imprevisto – neste caso, um “restos a pagar legítimo”.

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WASHINGTON COSTA/MINISTÉRIO DA ECONOMIA - 25/8/2020 Regra. Ministério da Economia descarta veementeme­nte flexibiliz­ar o limite de despesas

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