Começa a década do antitruste
Um assunto dominará esta coluna no ano que chega — antitruste e a relação entre Estados e as grandes companhias de tecnologia. É inevitável. As cinco maiores empresas americanas de tecnologia se tornaram os conglomerados mais poderosos do mundo. Delas, quatro são acusadas de práticas anticompetitivas. E, passado já um ciclo eleitoral desde Brexit e Trump, há mais clareza sobre a pancada que as democracias tomaram por conta de como é fácil manipular estas plataformas. Ao que tudo indica, o próximo capítulo do antitruste já vem na próxima semana, nos EUA. Agora é contra o Facebook.
O portento econômico das Big Techs não é difícil de enxergar, embora a transformação seja bastante recente. Durante todo o século 20, as cinco maiores empresas em valor de mercado cujos papéis eram negociados em Wall Street vinham de dois setores. Ou petroleiras, ou bancos. De vez em quando a GE entrava no meio. Petróleo e bancos foram os negócios dominantes até princípios da década que se encerra agora. Aí, uma por uma, as novas gigantes ascenderam. Google, Facebook, Amazon, Apple, Microsoft. Só a empresa fundada por Bill Gates, que enfrentou o antitruste ela própria há vinte anos, está livre de brigas.
No início de novembro, o Departamento de Justiça americano abriu um processo contra o abuso do monopólio da busca em texto do Google. De acordo com a Reuters, possivelmente já na próxima semana pelo menos 20 mas possivelmente mais de 40 dos 50 estados americanos vão entrar com outro processo, desta vez contra o Facebook. Os procuradores-gerais estaduais, de acordo com apuração de repórteres da MSNBC, vão questionar as compras de Instagram e WhatsApp.
A tática não é exclusiva do Facebook, pelo contrário. É generalizada no Vale do Silício. Mas o Facebook a levou ao limite. Sempre que uma startup no mesmo campo de atuação começa a crescer, a regra geral é comprar. No caso do Face, com apps capazes de acompanhar a atividade das pessoas em seus próprios celulares, perceber que as pessoas estavam usando mais e mais Zap e Insta foi fácil. Esta vantagem lhes permitiu perceber que os concorrentes cresciam antes dos outros e, portanto, adquirir cedo e manter domínio do mercado.
O caso do Snapchat é o que dá um gosto amargo ao método. Seus acionistas escolheram não vender a empresa. Então, usando seu imenso poder de acesso a um vasto público, o Face copiou o recurso de maior sucesso do Snap. É aquilo que chamamos Stories, justamente o pedaço hoje mais popular do Instagram. A história mandou um recado para todos. Quem resistisse a ser adquirido pelo Facebook seria copiado e, portanto, tornado obsoleto justamente pela inovação que trouxe ao público.
É exatamente o que se chama de abuso de uma posição de monopólio para práticas anticompetitivas.
Ainda não se sabe como o governo Biden atuará contra o Vale. Kamala Harris, a simpática vice-presidente, foi uma procuradora dura na Califórnia, mas é justamente de San Francisco — a área do Vale do Silício. Ela é próxima daquele mundo. O que facilita o diálogo, embora não queira dizer que os processos não virão.
E o Departamento de Justiça não é o único órgão capaz de promover processos antitruste. Este processo que virá, de acordo com a Reuters, é dos governos estaduais. Segundo o Wall Street Journal, a FTC, agência reguladora do ambiente econômico no país, estuda abrir ela própria um processo contra o Facebook e, depois, Apple e Amazon. Por considerarem o caso federal contra o Google muito tímido, limitado no escopo, os governos estaduais podem abrir também eles próprios seus casos.
Os próximos meses vão ser agitados.
As cinco maiores empresas de tecnologia dos EUA viraram conglomerados poderosos
SEG. Luiz Carlos Trabuco Cappi (quinzenalmente) | TER. Ana Carla Abrão, Pedro Fernando Nery e Demi Getschko (quinzenalmente)| QUA. Fábio Alves | QUI. Zeina Latif | SEX. Elena Landau (quinzenalmente) e Pedro Doria | SAB. Adriana Fernandes | DOM. José Roberto Mendonça de Barros (quinzenalmente) e Affonso Celso Pastore (quinzenalmente); Paulo Leme (1º domingo do mês), Roberto Rodrigues (2º domingo do mês), Albert Fishlow (3º domingo do mês) e Gustavo Franco (último domingo do mês)