O Estado de S. Paulo

Com cheias, dengue e covid, Acre recebe Bolsonaro

Diretora destaca que instituto sempre teve expertise; olhos agora estão voltados para soro de tratamento da covid

- João Prata

O presidente Jair Bolsonaro deve visitar amanhã o Acre, castigado por inundações que atingiram 150 mil pessoas. O Estado, que sofre com falta de leitos em razão de dengue e covid, ainda está envolvido numa crise migratória com haitianos que buscam cruzar para o Peru e chegar aos EUA.

O Instituto Butantan completa 120 anos hoje, em momento de profunda transforma­ção. O desenvolvi­mento da vacina Coronavac durante a pandemia colocou a entidade na linha de frente do combate ao coronavíru­s, segundo a diretora de inovação do Butantan, Ana Marisa Chudzinski-tavassi. A expectativ­a agora é de que o instituto deixe de ser apenas referência bibliográf­ica em estudos sobre veneno e se torne mais reconhecid­o pelas pesquisas sobre imunizante­s. Além disso, as atenções estão todas voltadas ao desenvolvi­mento de um soro para o tratamento de pacientes de covid-19. O medicament­o se mostrou seguro no teste em animais e deve ser apresentad­o nos próximos dias para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Se aprovado, serão iniciados os testes clínicos em infectados.

• A senhora enxerga que houve uma mudança de patamar internacio­nal com a Coronavac?

O Butantan sempre foi mais conhecido na literatura pelo que publica em relação a veneno, em biologia animal. Sobre a vacina, é real que pouco produziu com referência bibliográf­ica até recentemen­te. Com a pandemia, claramente começou uma série de projetos relacionad­os à vacina muito mais diversific­ado. O Butantan agora é um novo player no combate ao coronavíru­s. O mundo começou a ver o Butantan. A última coisa que se trabalhou relacionad­o à transferên­cia de tecnologia foi no desenvolvi­mento da vacina da dengue, que também serviu para colocar o Butantan em um patamar diferente. Hoje usamos mais ou menos a mesma tecnologia para o coronavíru­s, se olhar a cultura de célula, a infecção de célula por vírus. É a mesma base. O Butantan tem expertise, tem infraestru­tura para produzir isso, sabe como conduzir.

• O que pode ser dito para as pessoas que desconfiam da vacina do Butantan?

Foi feita em tempo recorde, mas usamos critérios de gestão e organizaçã­o. O Butantan tem uma parceria com a Sinovac e está fazendo o que faz rotineiram­ente... ensaios préclínico­s, clínicos. Ninguém pulou etapas. As agências regulatóri­as também trabalhara­m com brevidade. Aprendemos que dá para diminuir o tempo.

• O que falta ao Butantan hoje?

Faltam algumas estruturas que nos deixam pouco competitiv­os. Por exemplo, para trabalhar com coronavíru­s, preciso desse laboratóri­o NB3. Se não tenho para poder fazer os testes, deixo de ser competitiv­o. Mesmo que tenhamos competênci­a.

• O Butantan será capaz de produzir a vacina do coronavíru­s do início ao fim, sem precisar importar insumo da China?

O insumo é o antígeno, que vai ser transforma­do para virar vacina. Quem faz isso é o laboratóri­o NB3. O Butantan tem um laboratóri­o NB3, mas é dedicado à vacina da influenza. Você não pode descobrir um santo para cobrir outro. Não tem como parar (o trabalho com) a vacina da influenza.

• E a nova fábrica que está sendo construída?

A fábrica que o Butantan está fazendo, dentro dessa fábrica terá condição de produzir o insumo. No máximo em um ano tudo deve estar pronto.

• O Butantan vem desenvolve­ndo um soro que pode ajudar no tratamento de pacientes com coronavíru­s. Como está essa pesquisa?

Está tudo pronto. Esse é um exemplo de como é bom ter estrutura e um grupo de experts que sabem do processo do começo ao fim. São 120 anos do Butantan, há 120 anos fazemos soro. Dá para fazer tudo, salvo o biotério (local onde animais são isolados para pesquisas científica­s). Isso a gente teve de fazer em parceria. Diferentem­ente da Coronavac, que o antígeno é da China, aqui o vírus foi isolado no laboratóri­o da USP (Universida­de de São Paulo) e utilizamos a brecha no NB3 da influenza e produzimos o vírus em grande quantidade. Os vírus foram inativados por radiação para poder circular em outros laboratóri­os sem risco. Fizemos análise bioquímica, caracteriz­amos o vírus, as proteínas, se era capaz de produzir anticorpos, se eram capazes de neutraliza­r o vírus ativo. Isso tudo feito.

• Quando que começou esse estudo?

Fizemos o processo em seis meses. O último teste demorou mais por falta de estrutura. Imunizamos os cavalos da fazenda do Butantan, o plasma desses animais veio para a unidade do instituto onde foi feito o processame­nto. Esse produto foi envasado e analisado pelo setor de qualidade. Fizemos os testes pré-clínicos, em duas espécies de animal, camundongo e coelho. Vimos que o produto era seguro. Apresentam­os para a Anvisa em novembro. A Anvisa pediu um teste de desafio, que é produzir a doença em um animal, tratar e ver o benefício. Partimos para colaboraçã­o novamente com a USP. Mas havia uma fila de gente para utilizar e desenvolve­r seus projetos. Conseguimo­s desenvolve­r o teste no início de fevereiro. E está feito. Os resultados são muito bons. Vamos marcar uma reunião (com a Anvisa) ainda nesta semana para uma pré-submissão. Se entender que está ok, faremos a submissão, eles analisam e decidem se estamos aptos a utilizar o ensaio clínico.

• Ou seja, existe a possibilid­ade de resolver o problema da doença?

Quem vai dizer isso é o ensaio clínico. Por isso a necessidad­e de fazer o mais rápido possível. Os modelos que temos em animais ainda não dão para dizer isso.

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COMUNICACA­O BUTANTAN Produção própria. ‘Em um ano tudo deve estar pronto’

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