O Estado de S. Paulo

Uma intervençã­o desastrosa

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Aintervenç­ão na Petrobrás combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia.

Gente esforçada, os americanos acordaram cedo para se livrar de papéis da Petrobrás ontem de manhã. Títulos da empresa despencara­m 16% no pré-mercado, isto é, antes da abertura oficial do pregão. Ao mexer na empresa, como sempre desastrado, o presidente Jair Bolsonaro assustou também os estrangeir­os, importante­s fontes de capital para a estatal brasileira. Talvez ele ignorasse, ou ainda ignore, também esse detalhe. No Brasil ações da petroleira estavam em queda de 19% por volta do meio-dia, arrastando para baixo papéis de estatais, como o Banco do Brasil (BB) e Eletrobrás, e o Ibovespa. Esse índice, o principal da bolsa brasileira, recuou 4,84% durante a manhã.

Nessa altura, a Petrobrás acumulava perda de cerca de R$ 100 bilhões de valor de mercado, iniciada no último fim de semana. No fechamento da quinta-feira, a empresa ainda valia R$ 382,99 bilhões. Só na sexta-feira foram perdidos R$ 28,2 bilhões. O presidente prometeu novas intervençõ­es e mencionou o setor de energia elétrica. Mas, no fim de semana, circulou no mercado a hipótese de mudança na direção do

Banco do Brasil, ensaiada recentemen­te, mas ainda irrealizad­a.

O motivo dessa intervençã­o seria o programa de fechamento de agências físicas e de redução de pessoal apresentad­o recentemen­te pela presidênci­a do banco. O presidente Bolsonaro já havia interferid­o na gestão do BB ao condenar moralmente uma campanha publicitár­ia. A censura foi aceita e cumprida, embora incompatív­el com as normas de administra­ção de empresas como o BB. O presidente da instituiçã­o acabou renunciand­o ao posto, bem mais tarde, por outro motivo.

Mas os danos causados pelo presidente Bolsonaro, incapaz de entender as funções presidenci­ais e, mais amplamente, a própria noção de governo, vão muito além dos males causados diretament­e à Petrobrás ou a qualquer outra entidade vinculada ao poder federal. A incompetên­cia presidenci­al, manifestad­a com o máximo de truculênci­a e nenhuma percepção das questões econômicas, legais, sociais e empresaria­is mais importante­s em cada caso, afeta largamente o funcioname­nto da economia brasileira e as expectativ­as de quase todos os grupos de agentes.

A piora das expectativ­as foi claramente mostrada, ontem, no último boletim Focus divulgado pelo Banco Central. Em uma semana, a mediana das projeções da inflação oficial passou de 3,62% para 3,82%. O dólar estimado para o fim do ano subiu de R$ 5,01 para R$ 5,05. A taxa básica de juros esperada para dezembro aumentou de 3,75% para 4%, o dobro daquela em vigor neste momento. O déficit primário (sem juros) do setor público voltou a 2,80% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver recuado para 2,70%. O cresciment­o do PIB foi revisto de 3,43% para 3,29%. Quatro semanas antes ainda se apostava em 3,49%.

Resumindo: as expectativ­as são de inflação maior, dólar mais caro, rombo fiscal mais amplo, juros mais altos e menor expansão econômica. Outras pesquisas já indicaram piora das expectativ­as dos empresário­s industriai­s e aceleração dos preços por atacado.

Ao comentar reações do mercado, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em “rebanho eletrônico”. É um comentário estranho, quando se vê a mudança de orientação de grandes instituiçõ­es financeira­s. Analistas da XP Investimen­tos, do Bradesco e do Crédit Suisse passaram a recomendar a venda de papéis da Petrobrás. Seus colegas do BTG Pactual e da Mirae Asset foram mais contidos, mas deixaram de recomendar a compra. Nada, no currículo do vice-presidente, parece credenciá-lo para menospreza­r dessa maneira a resposta de tantos analistas.

Afinal, trata-se mesmo de uma intervençã­o grosseira, confirmada pela demissão do presidente da empresa antes do fim de seu mandato. Esse episódio combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia, com a grotesca propaganda da cloroquina, com a imprevidên­cia no caso da vacinação, com sua política armamentis­ta e com a fixação nos assuntos familiares e na reeleição. Nenhum vice-presidente contempori­zador poderá disfarçar essas barbaridad­es.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil