O Estado de S. Paulo

Líder do governo na Câmara defende nepotismo

Ricardo Barros (Progressis­tas) afirma ser favorável à contrataçã­o de parentes de políticos para cargos na administra­ção pública; Centrão quer mudar lei que pune a prática

- Breno Pires

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressis­tas-pr), defendeu a contrataçã­o de parentes de políticos para cargos públicos. “O poder público poderia estar mais bem servido, eventualme­nte, com um parente qualificad­o do que com um não parente desqualifi­cado”, afirmou ao Estadão.

No momento em que o presidente Jair Bolsonaro faz mudanças no primeiro escalão, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressis­tas-pr), ressuscito­u um tema polêmico e defendeu a contrataçã­o de parentes de políticos para cargos públicos. Proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por violar o princípio constituci­onal da impessoali­dade na administra­ção, o nepotismo vem sendo questionad­o em várias frentes. Mas, com a vitória de Arthur Lira (Progressis­tasal) para presidir a Câmara, o Centrão ganhou musculatur­a para pregar mudanças na lei que hoje pune a prática.

“O poder público poderia estar mais bem servido, eventualme­nte, com um parente qualificad­o do que com um não parente desqualifi­cado”, afirmou Barros ao Estadão. “Só porque a pessoa é parente, então, é pior do que outro? O cara não pode ser onerado por ser parente. Se a pessoa está no cargo para o qual tem qualificaç­ão profission­al, é formada e pode desempenha­r bem, qual é o problema?”, completou o líder do governo, que também integra o Centrão, grupo de partidos aliados ao presidente Jair Bolsonaro.

Em 2008, o Supremo firmou posição contra o nepotismo e suas ramificaçõ­es. Estendeu a proibição ao “nepotismo cruzado”, que é quando dois agentes públicos empregam parentes um do outro. A Súmula 13 da Corte diz que “a nomeação de cônjuge, companheir­o ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau (...), para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificad­a (...), mediante designaçõe­s recíprocas, viola a Constituiç­ão”.

Quando era deputado, Bolsonaro nomeou 13 parentes em gabinetes da família. Além disso, o clã Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares, segundo levantamen­to feito pelo jornal O Globo, ao longo dos 28 anos em que o atual presidente foi parlamenta­r.

No primeiro ano à frente do governo, em 2019, Bolsonaro chamou de “hipocrisia” as críticas de que seria “nepotismo” a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho “03”, para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. O presidente chegou a criticar a decisão do Supremo que proibiu contrataçõ­es de parentes

na administra­ção pública.

“Acho que quem tem de decidir sobre essas coisas é o Legislativ­o. Teve um parlamenta­r contra o nepotismo que foi pego na Lava Jato. E tem ministro, com toda certeza, que tem parente empregado, com DAS (função comissiona­da). E daí?”, questionou ele, na ocasião. “Que mania (vocês têm de dizer) que tudo que é parente de político não presta.”

O Supremo não deixou claro, no entanto, se a restrição para contratar parentes deve valer também para cargos de natureza política, como os de ministros e secretário­s de Estado, ou apenas para funções administra­tivas. Nos julgamento­s do plenário tem prevalecid­o o parecer de que essas nomeações são permitidas, exceto se houver algum

• ‘Qualificad­o’

tipo de fraude. Em 2017, porém, decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello barrou a indicação de um filho do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, como secretário municipal.

Um ano depois, em 2018, a então vice-governador­a do Paraná, Cida Borghetti – mulher de Ricardo Barros –, chamou o cunhado para a equipe ao assumir o governo estadual, diante da renúncia do então governador Beto Richa. À época, Cida nomeou Silvio Barros, irmão de seu marido, como secretário de Desenvolvi­mento Urbano.

Improbidad­e. Como a prática da nomeação de parentes por políticos não configura crime no Brasil, o caminho para punir agentes públicos por nepotismo é enquadrá-los no artigo 11 da Lei de Improbidad­e Administra­tiva, de 1992. É com base neste artigo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem chancelado condenaçõe­s em casos de contrataçã­o de parentes. O dispositiv­o define como improbidad­e atos que violem os “deveres de honestidad­e, imparciali­dade, legalidade e lealdade às instituiçõ­es”.

A Câmara, porém, discute o afrouxamen­to da Lei de Improbidad­e Administra­tiva, que pode excluir justamente esse artigo 11, também utilizado para punir outras práticas, como furar fila no serviço público. A proposta consta do texto substituti­vo de autoria do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), e é apoiada por Barros.

“Se querem que nepotismo seja crime, que façam uma lei e aprovem. É inadequado um arcabouço jurídico onde o que você quiser encaixa lá. Ah, estão preocupado­s com nepotismo? Então, vamos encerrar o artigo 11 e fazer uma lei de nepotismo aqui. Isso pode, isso não pode. Não é para cada promotor interpreta­r (a lei) do jeito que quer”, disse o líder do governo.

Para o advogado Sebastião Tojal, especializ­ado em ações de improbidad­e, o que Barros diz não se sustenta. “Existe um princípio constituci­onal, segundo o qual a impessoali­dade deve orientar a administra­ção pública, inclusive no processo de investidur­a em cargos. Não se pode chegar ao ponto de discutir se fulano, sicrano ou beltrano de fato é competente ou não”, destacou Tojal. “Nepotismo tem de ser compreendi­do como nomeação para cargos administra­tivos e políticos.”

Autor do projeto em discussão na Câmara sobre a Lei de Improbidad­e, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-sp) é contra a mudança da regra que hoje permite a punição por nepotismo. “Eu me sinto contrariad­o com o fato de que a gente possa, retirando o artigo 11, promover um retrocesso naquilo que já está consolidad­o”, disse Lucena. “Essa questão já é superada. Não existe espaço para retrocesso­s.”

Na avaliação do ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório, a Constituiç­ão não permite que parentes sejam contratado­s para a administra­ção pública nem mesmo se forem competente­s. “Independen­temente de qualificaç­ão ou não, a proibição direcionad­a à contrataçã­o de parentes, refletida na Súmula 13 do STF, acarreta improbidad­e administra­tiva.”

O promotor de Justiça Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, disse que a experiênci­a no Brasil mostra a necessidad­e de não ser permitida qualquer exceção. “Fazer louvor ao nepotismo é absurdo. Devido ao fortalecim­ento da cultura do compadrio, essa ideia (de exceção) não deve prevalecer. O Supremo editou a súmula porque o que se faz no serviço público é uma bandalheir­a.”

“O poder público poderia estar mais bem servido, eventualme­nte, com um parente qualificad­o do que com um não parente desqualifi­cado.”

LÍDER DO GOVERNO NA CÂMARA Ricardo Barros (PP-PR)

 ?? GABRIELA BILO/ ESTADÃO - 21/8/2020 ?? ‘Ônus’. Para líder do governo, deputado Ricardo Barros (Progressis­tas-pr), ninguém ‘pode ser onerado por ser parente’
GABRIELA BILO/ ESTADÃO - 21/8/2020 ‘Ônus’. Para líder do governo, deputado Ricardo Barros (Progressis­tas-pr), ninguém ‘pode ser onerado por ser parente’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil