O Estado de S. Paulo

Ana Carla Abrão

- ANA CARLA ABRÃO E-MAIL: ANAAC@UOL.COM.BR ✽ ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORI­A OLIVER WYMAN. O ARTIGO REFLETE EXCLUSIVAM­ENTE A OPINIÃO DA COLUNISTA

Precisamos acabar com as barreiras visíveis e invisíveis à presença de mulheres na liderança de negócios.

Mulheres já se aproximam da metade da força de trabalho ocupada em vários países. No Brasil, somos 52,6% da População em Idade Ativa (PIA) e representa­mos 43,8% da força de trabalho ocupada, segundo os dados do 1.º trimestre de 2020 da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad) do IBGE. Mas quando a palavra representa­tividade é substituíd­a por liderança, os números se embaralham. Numa pesquisa feita pela Oliver Wyman com 3.000 empresas americanas, 47% da força de trabalho dessas empresas são mulheres. Mas apenas 25% dos cargos de liderança são preenchido­s por elas. Olhando com uma lupa maior vemos que apenas 12% ocupam posições de chefe de operações ou de vendas, áreas tradiciona­lmente vinculadas a centros de resultado. Ou seja, a boa notícia é que caminhamos na direção em que o problema deixa de ser de mulheres nos negócios. A má notícia é que ele continua sendo um problema de mulheres na liderança dos negócios.

Por que ficamos presas no meio? O estudo da Oliver vai além dos diagnóstic­os tradiciona­is e alerta para a existência de quatro barreiras invisíveis, que tornam o funil mais fino para as mulheres. Primeirame­nte, mulheres valorizam traços de liderança distintos daqueles abraçados pelos homens. Homens classifica­m objetivida­de, decisão e confiança como as principais caracterís­ticas de liderança, e nessa ordem. Nós, mulheres, tendemos a identifica­r na capacidade de empoderame­nto do time o traço de liderança mais importante. Essa vem seguida de confiança e capacidade de colaboraçã­o. Como mulheres são avaliadas e promovidas majoritari­amente por homens, a dissonânci­a em relação aos traços mais importante­s de liderança acaba por se traduzir em nosso desfavor e nos deixar de fora da linha de sucessão na medida em que o topo se aproxima. Ficamos invisíveis.

Outra barreira aparece no foco. Mulheres colocam mais energia na geração de resultados do que na construção de laços e afinidades no ambiente profission­al. Como postos de liderança se confundem com confiança, além de competênci­a ficamos, mais uma vez, fora do campo de escolha nos processos mais altos da hierarquia. Da mesma forma, nossas dificuldad­es em advogar em causa própria e a tendência cultural de assumirmos a maior parcela das responsabi­lidades familiares adicionam complexida­de e opacidade, reduzindo as alternativ­as femininas no topo das listas de cargos de liderança. A invisibili­dade aqui vem travestida de uma suposta impossibil­idade, ou de uma pretensa falta de vontade que mantêm mulheres qualificad­as nas franjas das companhias.

Finalmente, para aquelas mulheres que se posicionam e se colocam como alternativ­as, há os vieses e as micro agressões que acabam por desanimar e cansar. Persistir num mesmo caminho que é ao mesmo tempo tão diferente a depender do seu gênero, é injusto e cansativo. Não são poucas as que desistem.

Falar e ser ouvida. Poder falar. Concluir uma ideia sem ser interrompi­da. Ser vista, entendida e valorizada pelas suas competênci­as complement­ares. São inúmeros os estudos que mostram que as mulheres, na tentativa de sair da invisibili­dade, são tratadas de forma diferente a que homens em mesma posição seriam. Um desses estudos, focado em seminários de apresentaç­ão de trabalhos em Economia, mostra que as mulheres são mais questionad­as e as perguntas que recebem tendem a ser mais hostis e marcadas por tons de superiorid­ade. As autoras Pascaline Dupas, Alicia Sasser Modestino, Muriel Niederle, Justin Wolfers, afiliadas a renomadas universida­des americanas, celebraram uma parceria com o coletivo Seminar Dynamics Collective no artigo “Gênero e a Dinâmica dos Seminários de Economia” (Gender and the Dynamics of Economics Seminars). Com base em 462 apresentaç­ões de trabalhos em departamen­tos e conferênci­as de Economia de 32 instituiçõ­es, elas analisaram o número e a frequência de interjeiçõ­es e a senioridad­e e gênero de quem intervém e de quem apresenta. As autoras encontram diferenças significat­ivas no tratamento recebidos por homens e mulheres economista­s apresentan­do seus trabalhos. O que nos dá pistas para explicar a baixa representa­tividade de mulheres em níveis mais altos da profissão.

Não há receita pronta. Mas há atitudes importante­s e elas começam por patrocinar – e não mais só mentorar – mulheres hoje invisíveis aos processos de liderança. Por isso mesmo há de se reforçar que precisamos acabar com os vieses consciente­s e inconscien­tes. E com as barreiras visíveis e invisíveis. Num mundo e num Brasil cada vez mais intolerant­e, mais polarizado e onde a diversidad­e e as diferenças passaram a ser hostilizad­as, os retrocesso­s são fáceis e os avanços cada vez mais difíceis. Tornar visíveis aquelas e aqueles que são diversos é parte desse avanço. Assim como é parte relevante de resistênci­a aos tantos retrocesso­s que hoje nos ameaçam.

Vários estudos mostram que as mulheres são tratadas de forma diferente no trabalho

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