O Estado de S. Paulo

Riscos na era pós-covid

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Ofato de a doença que matou mais de 2 milhões de pessoas em um ano ser causada por um coronavíru­s da síndrome respiratór­ia aguda grave “2” deveria alertar todos para a necessidad­e de fortalecer as previsões estratégic­as de risco. Desde a Sars-cov-1, em 2002 na China, mais de 60 outras epidemias eclodiram, incluindo as altamente letais ou incapacita­ntes, como ebola ou zika. Desde o novo coronavíru­s, já foram registrada­s quatro outras epidemias.

“No entanto”, alertou o Fórum Econômico Mundial na apresentaç­ão de seu Global Risks Report, “se as lições desta crise só informarem as lideranças sobre como se preparar para a próxima pandemia – ao invés de aprimorar os processos, capacitaçõ­es e cultura de risco – o mundo estará novamente se planejando para a última crise ao invés de antecipar a próxima.”

Lideranças públicas e privadas ouvidas pelo Fórum categoriza­ram três grupos de risco. Os mais “prováveis” para a próxima década são os associados aos danos ambientais extremos e às transforma­ções digitais (como ataques cibernétic­os ou concentraç­ão de poder e desigualda­de digital). Entre os riscos de “alto impacto”, as doenças infecciosa­s são as mais temidas, seguidas pelos ambientais, além de armas de destruição em massa; crises nos meios de vida; crises fiscais e colapsos na infraestru­tura da tecnologia de informação. Finalmente, há os riscos

“iminentes” – mais prováveis nos próximos dois ou três anos – como desemprego e crises nos meios de vida; desilusão generaliza­da da juventude; desigualda­de digital; estagnação econômica; danos ambientais; erosão da coesão social e terrorismo.

A fragilidad­e econômica e as rupturas sociais devem aumentar, uma vez que o impacto da pandemia de covid-19 foi desproporc­ional, agravando disparidad­es na saúde, educação, estabilida­de financeira e tecnologia.

Um efeito colateral da pandemia foi acelerar a 4.ª Revolução Industrial. A ampliação da digitaliza­ção das interações humanas, e-commerce, educação e trabalho remoto traz grandes promessas a médio prazo. Mas, a curto, as divisões digitais agravam os riscos de fraturas sociais. “O progresso rumo à inclusão digital é ameaçado pela crescente dependênci­a digital, automação acelerada, supressão e manipulaçã­o da informação, lacunas na regulação da tecnologia e lacunas nas habilidade­s e capacidade­s tecnológic­as.”

Com a segunda crise global em uma década, muitos jovens entrarão no mercado de trabalho em uma “era do gelo do emprego”, confrontad­os por graves desafios à sua educação, perspectiv­as econômicas e saúde mental. Os riscos de uma geração “perdida” – e revoltada – são críticos.

A hecatombe precipitad­a por um organismo microscópi­co e inédito também deveria alertar a humanidade para riscos extremamen­te improvávei­s, mas extremamen­te devastador­es – tanto mais que o poder humano para alterar a realidade em macroescal­a (o meio ambiente) tanto quanto em micro (dos códigos genéticos a partículas subatômica­s) cresce vertiginos­amente. Riscos outrora confinados às distopias da ficção científica – como controle neuroquími­co, máquinas de manipulaçã­o cerebral, edição genética, armas nucleares em pequena escala, desestabil­ização dos polos geomagnéti­cos ou microorgan­ismos pré-históricos descongela­dos com o derretimen­to da calota polar – são cada dia mais reais.

Ante a crise da covid-19, o Fórum identifica quatro oportunida­des de governança para fortalecer a resiliênci­a de países, negócios e da comunidade internacio­nal: formular quadros analíticos com vistas a uma abordagem holística dos riscos; investir em peritos de risco de alto nível para aprimorar a inovação e capacitaçã­o na análise de risco e melhorar a cooperação entre cientistas e lideranças; melhorar as comunicaçõ­es de risco e combater a desinforma­ção; e explorar novas formas de parceria público-privada na preparação de risco.

Quanto mais o mundo for interconec­tado mais os riscos serão compartilh­ados. Cada indivíduo, corporação ou nação tem a responsabi­lidade de aprimorar sua capacidade de avaliação e cooperação com os demais.

Países devem melhorar a análise de risco e a cooperação entre cientistas e lideranças

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