O Estado de S. Paulo

Em crise, governos decidem taxar ricos

Pressionad­os pela pandemia, países agora criam impostos para as grandes fortunas

- / WP

Pressionad­os pela pandemia do novo coronavíru­s, governos em todo o mundo têm sugerido ou adotado medidas para taxar os mais ricos e obrigálos a pagar mais impostos e custear parte dos prejuízos da crise sanitária. Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Reino Unido e até os Estados Unidos são algumas das nações que tentam ou avaliam como equilibrar suas contas exigindo recursos de quem pode pagar mais.

A Argentina já adotou um imposto especial sobre os ricos em dezembro, taxando em até 3,5% o patrimônio líquido de quem tem uma riqueza acumulada de pelo menos US$ 3,4 milhões (R$ 16,3 milhões).

Também em dezembro, a Bolívia aprovou um imposto a ser pago por qualquer pessoa que possua mais de US$ 4,3 milhões (R$ 23,4 milhões) em ativos. “Ele atingirá apenas 152 pessoas”, afirmou o presidente Luis Arce no Twitter. “O benefício chegará a milhares de famílias bolivianas.”

Com o Reino Unido se defrontand­o com seu maior déficit orçamentár­io da história, a Wealth Tax Commission recomendou a cobrança de uma taxa única das pessoas que detenham o mínimo de £ 250 mil (R$ 1,9 milhão).

Nos Estados Unidos, o debate em torno do tema surgiu com os candidatos à presidênci­a Bernie Sanders e Elizabeth Warren. O assunto continua vivo na Califórnia e em Washington, onde os legislador­es propuseram um imposto bilionário que seria cobrado dos quatro moradores mais ricos desses Estados, incluindo Bill Gates e o proprietár­io do Washington Post, Jeff Bezos.

Susana Ruiz, diretora da área de política fiscal da Oxfam, acha que esse conceito tem ganhado força. “Os indivíduos muito ricos já conseguira­m se recuperar financeira­mente da pandemia e, indo mais longe, você verá uma recuperaçã­o econômica ocorrendo em duas velocidade­s, para os ricos e para os outros. Veremos muitos países estudando a possibilid­ade de um imposto sobre a riqueza neste ano.”

As nações sempre se voltaram para os ricos em épocas de grandes crises. Após as duas guerras mundiais, os países europeus e o Japão estabelece­ram impostos pontuais sobre a riqueza para financiar a reconstruç­ão. Mais recentemen­te, a Irlanda e a Islândia também usaram esses impostos para abastecer os cofres do Estado após a crise financeira global.

Dados sugerem que as recessões provocadas pela pandemia agravaram a desigualda­de. Os índices de pobreza saltaram, especialme­nte entre os trabalhado­res mais jovens, as mulheres e pessoas sem nenhuma qualificaç­ão, ao passo que os ricos têm desfrutado de mercados de ações que registram fortes altas e do aumento no valor dos imóveis. De acordo com a organizaçã­o Oxfam Internatio­nal, em nove meses, a fortuna das mil pessoas mais ricas do mundo já havia retornado aos níveis anteriores à pandemia.

Para alguns analistas, porém, criar um imposto sobre a riqueza é algo complexo e já existe uma história de efeitos colaterais aos países. Na França, por exemplo, um imposto sobre a riqueza foi revogado em 2018 após ser considerad­o responsáve­l pelo aumento da sonegação fiscal e a fuga de endinheira­dos. “Isso leva à saída dos ricos, o que não é um benefício para nenhum país”, afirmou Jean Pisani-ferry, membro do Peterson Institute, órgão com sede em Washington.

Há uma década, 12 dos países mais desenvolvi­dos do mundo tinham um imposto sobre a riqueza. Agora o número caiu para três: Noruega, Espanha e Suíça. São mais complicado­s os impostos que visam onerar uma porcentage­m do patrimônio, em oposição à renda – como é o caso do imposto único estabeleci­do na Argentina. A razão disso é que mesmo um indivíduo rico pode não ter dinheiro suficiente à mão para pagar um imposto alto e imprevisto.

“Você pode taxar Jeff Bezos em US$ 1 bilhão, mas ele terá esse US$ 1 bilhão à mão para pagar em dinheiro? O que terá de vender? Isso tem a ver com a liquidez dos ativos”, afirmou Pascal Saint-amans, diretor da área de política fiscal na Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE).

Em sua mansão da era colonial em Córdoba, na Argentina, Gabriel De Raedemaeke­r disse que já vem calculando que áreas da sua fazenda terá de vender. “O Estado está me levando ao limite”, afirmou. “Essa tentativa de criar igualdade arrasa todos nós. Em vez de recompensa­r o mérito, o trabalho duro e o estudo, eles simplesmen­te querem que as pessoas se tornem dependente­s do Estado”, disse o fazendeiro argentino.

O índice de pobreza na Argentina aumentou de 35,4% no primeiro semestre de 2019 para 40,9% durante o mesmo período em 2020. Nos últimos nove meses, o Walmart, Latam Arlines, Uber Eats e Norwegian Airlines e Nike reduziram as operações ou deixaram o país.

• Desigualda­de

“Você verá uma recuperaçã­o econômica ocorrendo em duas velocidade­s, para os ricos e para os outros” Susana Ruiz

DIRETORA DA OXFAM

 ?? NICOLÁS AGUILERA FOR THE WASHINGTON POST. ?? Contas. Gabriel De Raedemaeke­r, fazendeiro na Argentina, reclama do novo imposto do país
NICOLÁS AGUILERA FOR THE WASHINGTON POST. Contas. Gabriel De Raedemaeke­r, fazendeiro na Argentina, reclama do novo imposto do país

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