O Estado de S. Paulo

Fura-fila por vacina tem políticos, militares e até disfarce de idoso

Fraudes para obter doses em meio à pandemia vão dos EUA à Espanha e envolvem autoridade­s e também cidadãos comuns

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Quando duas senhoras, vestindo toucas brancas e luvas, chegaram a um centro de vacinação na Flórida, nos Estados Unidos, os profission­ais de saúde notaram que algo estava errado. Elas tinham idade entre 30 e 40 anos e se disfarçara­m de idosas na tentativa de receber vacinas reservadas a grupos prioritári­os. O caso é um entre um número crescente de pessoas que tentam driblar autoridade­s para ter acesso antecipado aos estoques escassos da vacina contra o novo coronavíru­s.

Escândalos de fura-filas já forçaram os ministros na Argentina e no Peru a pedir demissão na última semana. Multas e outras punições, no entanto, não impediram que algumas pessoas conseguiss­em acesso a doses – muitas vezes por meio de métodos questionáv­eis.

Na Flórida, profission­ais de saúde disseram que as duas mulheres, flagradas em um centro de distribuiç­ão de vacinas em Orlando, deram datas de nascimento falsas e aparenteme­nte já haviam conseguido tomar a primeira dose da vacina. Elas receberam advertênci­as, mas nenhuma outra medida foi tomada.

Autoridade­s do Estado já haviam endurecido as regras para comprovar residência na Flórida, como forma de barrar o fluxo dos “turistas de vacina”, que saem desde lugares como Nova York e até da Índia.

No entanto, outros casos foram punidos de forma mais contundent­e. No Peru, duas ministras renunciara­m ao cargo, e o ex-presidente Martín Vizcarra se tornou alvo de uma investigaç­ão criminal após denúncias de que centenas de pessoas, incluindo mais de cem funcionári­os públicos, receberam doses de vacina fora dos testes clínicos, antes de o programa nacional de imunização ter início.

O ex-ministro da Saúde da Argentina Ginés González García também renunciou na última sexta-feira após a imprensa do país divulgar que ao menos 10 pessoas furaram a fila de vacinação por meio de contatos no governo. Entre os casos está o de um jornalista que recebeu uma dose após pedir ajuda ao ministro.

Na Europa, um general do exército espanhol e prefeitos de municípios na Áustria foram acusados de receber doses de forma irregular.além disso, o dono de um clube de turismo de luxo de Londres causou indignação no mês passado ao oferecer vacinas a clientes com mais de 65 anos que comprassem passagens para os Emirados Árabes. No Reino Unido, a vacinação só está disponível pelo sistema público de saúde.

No Canadá, um casal milionário que viajou até uma comunidade remota, com a intenção de receber doses destinadas a um grupo indígena vulnerável, recebeu uma multa de US$ 1,8 mil por desrespeit­ar regras de saúde pública. Ao redor do mundo, no entanto, há poucas políticas de punição a quem fura a fila.

Especialis­tas dizem que, caso as autoridade­s não consigam priorizar os grupos mais vulnerávei­s na vacinação, a desigualda­de na mortalidad­e entre grupos étnicos que caracteriz­ou a pandemia deve aumentar. Cerca de 200 milhões de doses foram aplicadas em todo o mundo, a maior parte em profission­ais da linha de frente nos hospitais e idosos.

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