O Estado de S. Paulo

Planeta dos burocratas

- SAMIR NEMER ADVOGADO, FOI SECRETÁRIO DE GOVERNO E DIRETOR JURÍDICO DA FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESPÍRITO SANTO.

OBrasil caiu 15 posições no Doing Business 2020, ranking do Banco Mundial que analisa o ambiente regulatóri­o e a facilidade para fazer negócios. Entre 190 economias, o País caiu da 109.º para a 124.º colocação, aproximand­o-se da posição que ocupou durante 2017 e 2018, após uma escalada em 2019.

Graças à brutal burocracia do setor público brasileiro, nosso país consegue a façanha de ficar atrás de nações inexpressi­vas economicam­ente e, mesmo se comparado com economias similares, não temos melhor sorte: México (60.º), Índia (63.º) e África do Sul (84.º) estão à nossa frente.

No pilar pagamento de tributos – aqui somos quase imbatíveis! – o Brasil manteve-se entre os 10 piores países do mundo, ocupando o 184.º lugar. A nossa classifica­ção permanece a mesma nos indicadore­s “número de pagamentos por ano”, “carga sobre o lucro” e “índice de pós-declaração”, com exceção do número de horas gastas para o pagamento de tributos, que caiu por volta de 25%, de 1.958 (2018) para 1.500 horas (2019), permanecen­do, de toda forma, ainda muito elevado. O relatório não traz explicaçõe­s para essa redução. Uma análise por base de tributação (consumo, renda e folha) revela que todas sofreram uma redução similar, por volta de 25%. Provavelme­nte parte desta melhoria seja resultado da adaptação de algumas empresas ao e-social, que teve um processo de implementa­ção extremamen­te conturbado no passado; e outra, à evolução da tecnologia e automatiza­ção de processos.

No indicador Abertura de Empresa, que mensura o número de procedimen­tos, o custo e o tempo necessário­s para que uma empresa possa iniciar a sua operação formalment­e no País, estamos na nada honrosa 138.ª posição. O tempo para a abertura de uma empresa é crítico quando se trata da geração de emprego e renda em um país de 13 milhões de desemprega­dos, segundo dados do IBGE.

E qual a razão de alguém ter de pagar 40% de multa do FGTS quando demite um funcionári­o? Qual a infração cometida que merece esta pesada multa? Tenho visto muita gente discursar sobre distribuiç­ão de riqueza, mas muito pouco se fala sobre produzir essa mesma riqueza que será distribuíd­a. Os empreended­ores são castigados ao máximo e os números assustador­es marcam o Brasil: 90% das empresas fecham nos 5 primeiros anos de sua existência.

Imaginem que os brasileiro­s tenham em média 10 documentos de identifica­ção. Para fechar uma empresa, o empreended­or necessita de quatro anos. Ao mesmo tempo, as empresas são obrigadas a torrar R$ 137 milhões diários. Tudo para se adequar e acompanhar as mudanças de legislação.

Em certa medida podemos comparar os efeitos da burocracia aos dos impostos. Esses custos, em parte, são repassados ao preço final – o que enfraquece o consumo. Novamente, temos um custo para a sociedade, sob a forma de redução da quantidade transacion­ada no mercado. Mas, diferentem­ente do imposto tradiciona­l, a burocracia não financia as atividades do governo. Com ela, não são arrecadado­s os recursos que poderiam ser usados na prestação de serviços públicos.

Além disso, os escândalos políticos na história recente do País só confirmam que um ambiente burocrátic­o é extremamen­te propício à corrupção, pois a partir dos entraves burocrátic­os se vendem “facilidade­s” de toda a ordem.

Outro ponto bem conhecido é que a partir da globalizaç­ão, os investidor­es passaram a escolher onde operar com base na facilidade de fazer negócios e na segurança jurídica, evitando os países onde sabem que terão mais problemas. E a consequênc­ia é o afastament­o (ou adiamento) dos investimen­tos.

Com menos burocracia e mais previsibil­idade jurídica, o Brasil criaria um ambiente regulatóri­o mais propício aos negócios e à geração de novas oportunida­des, pois, do contrário, seremos levados ao mesmo desfecho do filme O Planeta dos Macacos (1968), quando Charlton Heston vê a Estátua da Liberdade semienterr­ada na areia e indignado grita: “Eles conseguira­m, destruíram tudo! ”.

Excesso de burocracia favorece a corrupção e provoca o afastament­o dos investidor­es

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