Os vinhos do vulcão
É JORNALISTA ESPECIALIZADA EM VINHOS
Na Sicília, o Etna é o vulcão mais ativo da Itália. Neste início de ano, ele decidiu mostrar sua força, com várias erupções em fevereiro. Numa das mais recentes, sua lava chegou a subir a até mil metros de altura. Por sorte, o rio de lava que se formou atingiu apenas áreas desocupadas.
Com as erupções, várias vinícolas aproveitaram para postar fotos de seus vinhos com as lavas ao fundo. É um marketing importante para a Nerello Mascalese, uva pouco conhecida do público, mas que dá origem a vinhos tintos muito interessantes na região do Etna.
Autóctone da região do Etna, a Nerello Mascalese, segundo o livro Grapes, da inglesa Jancis Robinson, é um cruzamento da sangiovese, tão popular na Toscana (leia-se Chianti), com a variedade local mantonico bianco. Resulta em vinhos escuros (nerello vem de nero, ou seja, preto), com aromas de frutas negras (amoras e framboesas são exemplos) e de especiarias, taninos macios, bom frescor e com um toque mineral. “A vantagem de cultivar vinhas no Etna é obter vinhos com identidade profunda, mineral e saborosa”, afirma o enólogo siciliano Giuseppe Burruano, da Cantine Cellaro.
A Sicília conta com várias vinhas de nerello, muitas delas centenárias, ao redor do Etna – há vinhedos com a variedade também em outras regiões desta ilha ao sul da Itália. O tinto Micina, o nerello da Cantine Cellaro, por exemplo, vem de Sambuca di Sicilia, quase na costa oposta ao Etna, e tem um estilo mais concentrado e menos mineral (R$ 159, na Casa Flora).
Os solos de origem vulcânica são bem escuros e ricos em nutrientes, como cálcio, potássio, ferro, magnésio. Mas o tipo de mineral depende de cada vulcão, o que faz esse solo ter características diferentes entre, por exemplo, o Etna e o sul do Chile, explica o viticultor chileno René Vásquez, gerente agrícola da Viña Casa Silva. São solos também mais férteis, porque as rochas vulcânicas conseguem armazenar a água da chuva. Há outros exemplos de vinhedos em solos vulcânicos pelo mundo, como a Ilha da Madeira, em Portugal; as ilhas Canárias, da Espanha; Santorini, na Grécia.
Com o Etna em erupção, a fumaça do vulcão atingiu os vinhedos. Nesta próxima safra, diz Vásquez, é esperado que os vinhos tenham notas mais de sulfuroso e da própria fumaça. “As cinzas certamente vão contribuir significativamente para as notas organolépticas do vinho”, afirma Burruano. Ele acrescenta que as cinzas se prendem às folhas das vinhas e têm também um papel de proteção contra fungos.
No Brasil, há poucos exemplares de nerello mascalese, muitos comercializados como Etna Rosso DOC. Entre eles, a Zahil traz o fresco e leve Nicosia, por R$ 120. A Mistral importa os vinhos da Tasca D’almerita e da Tenuta dele Terre, com preços a partir de R$ 182, e a World Wine começou a trazer o Fragore, da Donnafugata, mas com preço salgado (R$ 940).