O Estado de S. Paulo

Sob pressão, Lira desiste de votar a ‘PEC da Blindagem’

Diante da pressão das redes sociais, de críticas do STF e de racha no próprio Centrão, presidente da Câmara remete proposta para análise de uma comissão especial

- André Shalders Felipe Frazão / BRASÍLIA / COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA

Sem acordo com partidos e sob críticas do STF, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tas-al), adiou a votação da Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) que amplia a imunidade parlamenta­r. Uma comissão especial será criada para analisar o texto. A proposta limita situações em que parlamenta­res podem ser punidos.

Em derrota sofrida no plenário, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressis­tasal), adiou ontem a votação da Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) que amplia a imunidade parlamenta­r. Sem acordo com os partidos, Lira desistiu de votar a proposta às pressas e anunciou a criação de uma comissão especial para analisar o texto. A medida ficou conhecida como “PEC da Blindagem” porque limita as situações em que parlamenta­res podem ser presos, além de proibir o afastament­o do mandato por ordem judicial.

Diante da pressão das redes sociais, de críticas do Supremo Tribunal Federal e até mesmo do racha no próprio Centrão, Lira atendeu a pedidos de deputados e disse que a PEC passará antes pelo crivo de uma comissão especial. Foi o primeiro revés sofrido por ele desde que venceu a eleição para o comando da Câmara, no último dia 1.º.

A PEC chegou ao plenário na esteira da prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), que publicou um vídeo fazendo ofensas a integrante­s do Supremo e apologia do Ato Institucio­nal n.º 5, o mais violento da ditadura militar. A prisão foi determinad­a pelo ministro do STF Alexandre de Moraes no dia 16, referendad­a no plenário da Corte e confirmada pela Câmara.

O cronograma estabeleci­do por Lira após o revés diz que os partidos devem indicar nomes para o colegiado até a próxima segunda-feira, mas não há definição sobre quando o grupo começará a trabalhar. Além disso, o lockdown estabeleci­do no Distrito Federal, para conter a contaminaç­ão por covid-19, deve ter novo impacto nas atividades do Congresso.

“Esta Casa de novo hoje (ontem) não consegue consensuar a alteração de um artigo. Nós não conseguimo­s nos entender. E não será atropeland­o o regimento que o faremos”, disse Lira, ao encerrar a sessão.

O artigo citado pelo presidente da Câmara é o 53 da Constituiç­ão, segundo o qual deputados e senadores são inviolávei­s, “civil e penalmente”, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. A Carta diz, ainda, que os parlamenta­res serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

A principal polêmica da proposta apresentad­a pela relatora da PEC, deputada Margarete Coelho (Progressis­tas-pi), foi sobre a possibilid­ade de processos contra parlamenta­res por crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. Pelo texto, os congressis­tas só poderiam ser julgados por procedimen­to incompatív­el com o decoro “exclusivam­ente” no Conselho de Ética da Câmara ou do Senado, e não mais na Justiça.

Alguns partidos, como o PT, discordara­m e pediram a retirada do termo “exclusivam­ente” do artigo, de forma que deputados e senadores pudessem continuar respondend­o também na

Justiça. A relatora concordou com o pedido, mas, depois, foi a vez do PSL – sigla que até 2019 abrigou o presidente Jair Bolsonaro – ficar contra a proposta.

Debate. Outro ponto de controvérs­ia foi a definição de quais crimes poderiam resultar na prisão de deputados e senadores. O PT quis ampliar o rol de crimes inafiançáv­eis e incluir entre eles aqueles que atentassem “contra a democracia ou a existência dos poderes constituíd­os”. O PSL foi novamente contra. Além disso, a bancada do PSD se mostrou dividida. “Se um parlamenta­r estiver com uma mala de dólares desviados da sociedade não poderá ser preso em flagrante. Isso é anticristã­o”, criticou Fábio Trad (PSD-MS).

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse, por sua vez, que Daniel Silveira nem mesmo seria preso se a PEC fosse aprovada daquela forma. “Essa proposta abre a porta para, no futuro, outros deputados quererem guerrear contra o Supremo”, afirmou Teixeira. “Esta PEC terá o nome de ‘PEC Daniel Silveira’. O que se pretende aprovando esse texto é dizer que a prisão dele foi ilegal. Nós estamos pensando na crise institucio­nal maior que pode advir dessa votação”, emendou o petista.

Lira demonstrou irritação e disse ficar “muito triste” com os adjetivos com os quais a PEC estava sendo rotulada. Além de se referir a ela como “blindagem”, a oposição também a chamou de “PEC da Impunidade”. “Deveria ser da democracia”, rebateu o presidente da Câmara.

A proposta prevê que, no caso de prisão em flagrante, como foi a de Silveira, o parlamenta­r seja encaminhad­o à Câmara ou Senado, permanecen­do sob a custódia “até o pronunciam­ento definitivo do plenário”. Nos bastidores, integrante­s do STF questionar­am a viabilidad­e da medida.

Na prática, as dificuldad­es para aprovação do texto cresceram depois que ele foi aceito pelo plenário, na noite de quartafeir­a. Anteontem, a sessão se arrastou por seis horas, mas, diante da resistênci­a da oposição e até de aliados do presidente da Câmara, a votação foi adiada.

Sem acordo com o PT e o PSL, as duas maiores bancadas da Casa, a avaliação de deputados do Centrão, ontem, foi a de que a proposta não teria o respaldo necessário para ser aprovada em primeiro turno. Mais cedo, um requerimen­to para tentar obstruir a votação foi derrotado com apenas 302 votos, seis a menos do que os 308 necessário­s para aprovar a PEC.

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NAJARA ARAUJO AGENCIA CAMARA Plenário. Arthur Lira discute tramitação da ‘PEC da Blindagem’ com deputados, que não fecharam acordo sobre o texto

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