O Estado de S. Paulo

Pazuello dá à PF nova versão sobre oxigênio

Diferentem­ente do que a AGU informou ao Supremo, ministro diz em depoimento que não sabia da crítica falta de oxigênio na cidade

- Rafael Moraes Moura Mateus Vargas

Em depoimento à Polícia Federal obtido pelo Estadão, Eduardo Pazuello (Saúde) disse que não soube do colapso no fornecimen­to de oxigênio a Manaus em 8 de janeiro. Segundo ele, data foi informada por engano.

Em depoimento à Polícia Federal obtido pelo Estadão, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, mudou a versão do governo e disse que não soube do colapso no fornecimen­to de oxigênio a Manaus no dia 8 de janeiro, diferentem­ente do que a Advocacia-geral da União (AGU) havia informado ao Supremo Tribunal Federal. A fala também contradiz o que o próprio Pazuello havia declarado à imprensa no mês passado.

De acordo com o general, essa data foi inserida por engano em uma manifestaç­ão oficial do governo em outro processo do STF, em que partidos buscam garantir a vacinação da população contra a covid-19.

Pazuello prestou depoimento no dia 4 de fevereiro no Hotel de Trânsito de Oficiais do Exército, em Brasília, no inquérito do Supremo que apura se o ministro foi omisso no enfrentame­nto da pandemia na capital do Amazonas. O caso está sob sigilo. Após a conclusão das investigaç­ões, caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se denuncia ou não o ministro.

O depoimento de Pazuello contrasta com uma manifestaç­ão assinada pelo ministro-chefe da AGU, José Levi, que afirmou que o Ministério da Saúde ficou sabendo da “crítica situação do esvaziamen­to de estoque de oxigênio em Manaus” no dia 8 de janeiro, a partir de um e-mail enviado pela White Martins, fabricante do insumo.

No depoimento à PF, Pazuello declarou que “o documento mencionado nunca foi entregue oficialmen­te ao Ministério da Saúde, bem como a empresa nunca realizou contatos informais com representa­ntes do ministério”. O general ainda disse que um aviso da White Martins do dia 8 é citado em manifestaç­ão do governo ao Supremo por um “equívoco” de um funcionári­o do ministério.

“E o equívoco se deu em virtude do prazo exíguo de 48 horas para apresentaç­ão da resposta junto ao STF”, afirmou Pazuello no depoimento. “O documento chegou ao conhecimen­to do Ministério da Saúde via secretário da Saúde do Estado do Amazonas quando da busca de elementos para apresentaç­ão de resposta ao Supremo Tribunal Federal por intermédio da AGU na ADPF 756 (ação movida por cinco partidos da oposição para obrigar o presidente Jair Bolsonaro a adquirir imunização contra covid)”, completou o ministro.

A fala de Pazuello à PF contradiz ainda o discurso do próprio ministro, feito em entrevista à imprensa no dia 18 de janeiro.

Na ocasião, ele afirmou que soube por meio da própria White Martins, no dia 8, sobre a falta do insumo. “Nós tomamos conhecimen­to de que a White Martins chegou no seu próprio limite quando ela nos informou. Ou seja, se nós tivéssemos tido essa informação, por menor que seja, ou se nós fizemos imediatame­nte quando nós soubemos. Nós só soubemos no dia 8 de janeiro. Quando nós chegamos lá, no dia 4, o problema não era oxigênio”, disse o ministro à época.

No depoimento, Pazuello reconhece que recebeu pedido do governo Amazonas de envio de 150 cilindros no dia 8 e que o Centro de Operações de Emergência (COE, do Ministério Saúde) avisou, em 9 de janeiro, sobre “colapso dos hospitais e falta da rede de oxigênio”.

O general afirmou, porém, que “não houve qualquer tipo de menção ao iminente colapso de fornecimen­to de oxigênio na cidade de Manaus” até aquele momento, segundo registra o depoimento. O ministro disse à PF que apenas na noite do dia 10 o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), relatou “um problema de abastecime­nto de oxigênio”.

O depoimento não aponta uma data exata em que Pazuello soube do colapso da entrega de oxigênio. O ministro, no entanto, disse em 11 de janeiro que convocou uma reunião com secretário­s de municípios e do Amazonas “com o objetivo de atender a abrangênci­a da falta de oxigênio e demais óbices no atendiment­o de saúde”. Pazuello declarou ainda que a partir do dia 12 passou a centraliza­r ações em um comitê com o governo local “justamente para evitar a falta de oxigênio”.

‘Cresciment­o’. Pazuello disse que assumiu o protagonis­mo das ações “justamente para evitar a falta de oxigênio” e que, a partir do dia 12 de janeiro, mudou a estratégia de fornecimen­to do insumo, passando a requisitar usinas geradoras e concentrad­ores. “Nesse contexto, o oxigênio da White Martins ficaria como backup”, disse ele.

O ministro afirmou à PF que “não era possível se prever o cresciment­o que ocorreu em janeiro” pela covid-19 no começo de 2021, apesar de todos os alertas de especialis­tas sobre os riscos de aglomeraçõ­es e festas de fim de ano. “E nas três semanas seguintes (ao fim de 2020) a subida foi vertiginos­a, sem possibilid­ade de previsão estatístic­a anterior, consideran­do o histórico do semestre”, declarou.

Ainda de acordo com Pazuello, no fim de dezembro ele “tomou conhecimen­to” do aumento de casos e internaçõe­s em hospitais, “inclusive por fontes pessoais”. Ele disse aos investigad­ores que reuniu sua equipe em 28 de dezembro para tratar da situação do Amazonas e suspendeu as férias do primeiro escalão da pasta. Segundo o ministro, uma equipe da Saúde foi enviada a Manaus no dia 4 de janeiro e verificou deficiênci­as na rede de saúde da região.

À PF, o general declarou que a sua equipe voltou no dia 5 e, em reuniões nos dias seguintes, com a presença de Wilson Lima, “não houve qualquer menção sobre a falta de oxigênio na cidade de Manaus, por parte do governador do Estado”.

Reunião. Em nota, o Ministério da Saúde disse que Pazuello só soube do colapso no dia 11 de janeiro. A White Martins disse à reportagem que informou o governo do Amazonas no dia 8 sobre o “aumento abrupto e exponencia­l da demanda” por oxigênio. A empresa afirmou que no dia 10 foi convidada por Pazuello para uma reunião, realizada na data seguinte. A AGU comunicou que não se manifestar­ia.

 ?? ADRIANO MACHADO / REUTERS - 7/1/2021 ?? Ministro. Eduardo Pazuello disse que não soube do colapso em Manaus no dia 8 de janeiro; informação contrasta com a manifestaç­ão do chefe da AGU
ADRIANO MACHADO / REUTERS - 7/1/2021 Ministro. Eduardo Pazuello disse que não soube do colapso em Manaus no dia 8 de janeiro; informação contrasta com a manifestaç­ão do chefe da AGU
 ??  ?? Registro. Trechos do depoimento de Eduardo Pazuello à PF
Registro. Trechos do depoimento de Eduardo Pazuello à PF

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil