O Estado de S. Paulo

Fernando Reinach

- FERNANDO REINACH E-MAIL: fernando@reinach.com

Não era difícil concluir que um tsunami se aproximava. Como sempre, nada foi feito. O tsunami chegou.

Ocolapso das UTIS que se espalha pelo Brasil era previsível. Um mês atrás foi descoberto que o desastre em Manaus estava associado a uma nova variante brasileira do Sars-cov-2. Na mesma semana foi demonstrad­o que as novas variantes se espalham rapidament­e e prejudicam a eficácia de algumas vacinas. Não foi difícil concluir que um tsunami de internaçõe­s e mortes se aproximava (O Tsunami se Aproxima, Estadão / 30 de janeiro de 2021). Como sempre, nada foi feito, e o tsunami chegou.

Quando as novas variantes chegam a uma cidade, casos e internaçõe­s sobem rapidament­e e levam ao colapso do sistema de saúde.

Araraquara é um bom exemplo. Se isso ocorrer simultanea­mente em muitas cidades, o número de mortes por dia no País pode subir rapidament­e para 3 mil ou 4 mil. Mas o mais provável é que essa onda de contaminaç­ão se espalhe gradativam­ente, com cidades ainda livres das variantes, outras no pico, outras com ele já superado.

Pelos próximos meses não podemos contar com os efeitos da vacinação, ainda lenta. E pior, não sabemos como a principal vacina que estamos utilizando, a Coronavac, se comporta frente às novas variantes do Sarscov-2 (nem o estudo de fase 3 dessa vacina foi publicado). Corremos o risco de a Coronavac ter sua eficácia diminuída perante as novas variantes, como se constatou para nossa segunda arma, a vacina da Oxford/astrazenec­a. O que sabemos é que mesmo vacinas de alta eficácia como as da Pfizer e Moderna perdem eficácia perante as novas variantes. Sobram a prevenção e, no limite, o lockdown.

O mundo já percebeu que só terão sucesso os países que vacinarem rápido a população, com vacinas de alta eficácia. Além disso precisam desenvolve­r e produzir rapidament­e novas versões das vacinas. Pfizer e Moderna

determinar­am a eficácia das suas contra as variantes de Sars-cov-2 e já estão testando novas versões. É pouco provável que Fiocruz e Butantan estejam à altura desse desafio. Sem dúvida este é o momento de diversific­ar o suprimento de vacinas e começar a elaborar um plano B com vacinas mais eficazes.

Enquanto a situação é de desespero no Brasil, um grupo de cientistas de EUA e Israel publicou o primeiro estudo sobre o efeito da vacinação em massa. Os resultados não podiam ser melhores. Israel já aplicou 90 doses de vacina da Pfizer para cada 100 habitantes – 53% da população já recebeu pelo menos uma dose e 37% já recebeu as duas. No início da vacinação os cientistas selecionar­am 596.618 pessoas já vacinadas e compararam o aparecimen­to da doença nesse grupo com o aparecimen­to em outro grupo, também de 596.618 pessoas, ainda não vacinado. As pessoas foram escolhidas de modo que cada pessoa do grupo vacinado tivesse correspond­ente no grupo não vacinado. Assim se um homem de 56 anos, obeso e fumante era incluído no de vacinados, outro homem de 56 anos, obeso e fumante, era incluído no grupo controle.

Como a amostra é enorme, quase 1,2 milhão de pessoas, mais informaçõe­s podem ser obtidas do que num estudo de fase 3. Entre os muitos resultados, o que me parece mais importante é o seguinte: a vacina reduziu o risco de infecção pelo coronavíru­s em 92%, reduziu o risco de casos com sintomas em 94%, reduziu o risco de hospitaliz­ação em 87%, o de casos graves em 92% e o de morte em 84%. Ou seja, a vacina vai fazer a doença desaparece­r de Israel em poucos meses. E o mais importante: a Pfizer já deve ter pronto um reforço (uma terceira dose) capaz de proteger contra novas variantes. Israel não é o Brasil, mas enquanto muitos países caminham para solucionar o problema, nossos governante­s parecem nos levar no caminho inverso.

O mundo já percebeu que só terão sucesso os países que vacinarem rápido a população

MAIS INFORMAÇÕE­S: BNT162B2 MRNA COVID-19 VACCINE IN A NATIONWIDE MASS VACCINATIO­N SETTING. NEW ENGLAND JOURNAL OF MEDICINE. DOI: 10.1056/NEJMOA2101­765 (2021)

BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRU­S NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGAD­OR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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