O Estado de S. Paulo

A urgência da CPI da pandemia

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Chamar às falas os responsáve­is pelo desastre sanitário pode ser um lenitivo para o patológico descaso com a vida dos brasileiro­s.

Sobre a mesa de trabalho do presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), está o pedido de instalação de uma Comissão Parlamenta­r de Inquérito (CPI) para investigar as ações e omissões do governo federal na condução da crise sanitária provocada pelo novo coronavíru­s. O pedido é assinado por 31 senadores de 11 partidos. É do mais alto interesse público que esta CPI seja instalada imediatame­nte.

Pululam razões para que o Poder Legislativ­o exerça uma de suas principais prerrogati­vas constituci­onais, a de fiscalizar o Poder Executivo. De longe, uma CPI é um dos instrument­os mais graves do sistema de freios e contrapeso­s, mas gravíssima é a tragédia que se abateu sobre o País.

Não é remota a possibilid­ade de que as atuações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tenham sido determinan­tes para transforma­r o que seria uma profunda crise sanitária neste horror inominável. Um inquérito parlamenta­r para apurar responsabi­lidades, pois, é mandatório.

Já são mais de 250 mil vítimas fatais da peste. E não há nada que permita ao mais otimista dos brasileiro­s sonhar com dias melhores no futuro próximo. Ao contrário. É duro constatar que, a ser mantido o comportame­nto desidioso da dupla Bolsonaro e Pazuello, a Nação está mais próxima de prantear 300 mil vidas perdidas para o novo coronavíru­s em poucas semanas do que de ver o arrefecime­nto da crise no País.

No mesmo dia em que foi registrado o maior número de mortes por covid-19 em 24 horas no Brasil desde o início da pandemia – 1.582 óbitos, no dia 25 passado –, Bolsonaro foi às redes sociais não para lamentar os mortos, mas para desencoraj­ar o uso de máscaras pela população.

Em sua irremediáv­el impostura, o presidente aludiu a supostos “efeitos colaterais” das máscaras que teriam sido “evidenciad­os” por um “estudo” cujos autores não conseguiu sequer nominar. De quebra, voltou a criticar as medidas de distanciam­ento social adotadas nos Estados para evitar o iminente colapso do sistema de saúde. Assim, o presidente da República, em vez de usar seu poder de comunicaçã­o para convocar seus compatriot­as a se acautelare­m em relação ao coronavíru­s, faz pouco-caso dos doentes e mortos e incentiva de forma irresponsá­vel a burla das medidas mais eficazes para frear o espalhamen­to do vírus.

É evidente que este tipo de comportame­nto irresponsá­vel é apenas uma das tantas razões que ensejam a criação da CPI da Pandemia sem mais delongas. Quanto mais rápido os parlamenta­res investigar­em condutas de autoridade­s federais que colaboram para o agravament­o da crise, mais rápido elas serão cessadas. E muitas vidas certamente serão salvas.

O ministro da Saúde, por sua vez, parece ter acordado de um transe e só agora percebeu a gravidade da crise que, por dever de ofício, teria de administra­r. “O avanço da doença pode surpreende­r. Não está centrado apenas no Norte e no Nordeste”, deu-se conta o ministro, até hoje incapaz de mensurar a extensão da pandemia e, por isso, de apresentar um plano coerente e factível para enfrentá-la.

Tão claudicant­e é a vacinação no País, e tão desleixada é a ação do governo federal para reverter este quadro, que foi preciso que o senador Rodrigo Pacheco assumisse a mediação de uma nova rodada de conversas entre as farmacêuti­cas Pfizer e Janssen e o Ministério da Saúde para que o Brasil pudesse sonhar em ter mais vacinas. Ora, só o fato de o presidente do Congresso ter de fazer o que caberia ao intendente Pazuello é razão mais do que evidente da premência de uma CPI da Pandemia.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não vê necessidad­e de uma CPI no momento porque, segundo disse, não é hora de “discutir quem é culpado disso ou daquilo”. De fato, a grande prioridade nacional é vacinar todos os brasileiro­s e impedir o colapso do sistema de saúde. Ambas as providênci­as, contudo, dependem de um Ministério da Saúde que esteja interessad­o na saúde dos cidadãos, e não nos objetivos eleitorais do presidente da República. Assim, uma CPI que chame às falas os responsáve­is pelo desastre sanitário pode funcionar como lenitivo para o patológico descaso do governo Bolsonaro com a vida de seus governados.

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