O Estado de S. Paulo

Após ordenar ataque a milícias ligadas ao Irã, Biden impõe sanções a sauditas

Presidente americano manda recado para os dois países que protagoniz­am a maior rivalidade no Oriente Médio; EUA buscam nova abordagem com iranianos e mostram que serão mais intolerant­es com abusos de direitos humanos da Arábia Saudita

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“Deixamos claro que as ameaças extraterri­toriais e os ataques da Arábia Saudita contra ativistas, dissidente­s e jornalista­s têm de acabar. Não serão mais tolerados pelos Estados Unidos” Antony Blinken

SECRETÁRIO DE

ESTADO DOS EUA,

EM COMUNICADO

Em ações coordenada­s, Joe Biden apresentou o cartão de visitas da nova política externa americana aos dois países que protagoniz­am a maior rivalidade do Oriente Médio: Irã e Arábia Saudita. Em menos de 24 horas, o presidente americano ordenou um ataque a militantes apoiados pelo Irã em território sírio e anunciou sanções a 76 sauditas ligados à morte do jornalista Jamal Khashoggi.

A primeira ação militar no exterior de Biden foi ordenada na noite de quinta-feira. O Pentágono lançou ataques aéreos na Síria contra infraestru­turas utilizadas por milícias apoiadas pelo Irã. De acordo com John Kirby, porta-voz do Departamen­to de Defesa, pelo menos 22 militantes morreram, a maioria membros do Kataib Hezbollah, grupo acusado de atacar posições americanas no Iraque.

Analistas considerar­am o ataque limitado, um sinal de que Biden preferiu uma resposta menos agressiva para não aumentar demais a tensão com o Irã e não prejudicar as negociaçõe­s nucleares, que devem ser retomadas em breve. O fato de o bombardeio ter atingido o território sírio, e não o iraquiano, também teria sido pensado para não piorar a relação entre EUA e Iraque, onde estão estacionad­os 2,5 mil militares americanos.

Algumas horas depois, foi a vez de os sauditas, inimigos declarados dos iranianos, sentirem a pressão americana. O Departamen­to de Estado anunciou uma nova política, batizada de “Proibição Khashoggi”, que retira os vistos de entrada nos EUA de pessoas que persigam ou coloquem em risco dissidente­s, ativistas e jornalista­s.

Khashoggi foi torturado e assassinad­o dentro do consulado saudita em Istambul, na Turquia,

em outubro de 2018. Desde o início, as investigaç­ões apontavam que o mandante havia sido o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohamed bin Salman, que sempre negou envolvimen­to com o caso.

Passe livre. Interessad­o em manter contratos de venda de armas para os sauditas, que renderiam aos EUA cerca de US$ 350 bilhões em dez anos, o então presidente americano, Donald Trump, deu passe livre para o príncipe. No entanto, durante a campanha eleitoral, no ano passado, Biden havia prometido rever os afagos à monarquia.

Ontem, o governo americano finalmente liberou o relatório da inteligênc­ia que atribui a Salman a responsabi­lidade pela morte de Khashoggi e anunciou a suspensão dos vistos de 76 sauditas ligados ao assassinat­o – embora o príncipe herdeiro não esteja entre eles.

“Deixamos claro que as ameaças extraterri­toriais e os ataques da Arábia Saudita contra ativistas, dissidente­s e jornalista­s têm de acabar”, afirmou o secretário de Estado, Antony Blinken. Segundo o porta-voz do Departamen­to de Estado, Ned Price, Biden deve revisar por completo as relações dos EUA com a Arábia

Saudita. A porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, afirmou ontem que “há uma série de medidas sobre a mesa”, mas sem dar mais detalhes.

Janela. Alguns analistas dizem que o governo Biden representa uma abertura para um diálogo entre Irã e Arábia Saudita. A aproximaçã­o foi defendida pelo empresário saudita Abdulaziz Sager, fundador do Gulf Research Center, e pelo ex-diplomata iraniano Hossein Mousavian. Discussões discretas entre os dois países já estariam ocorrendo nos bastidores.

A Arábia Saudita sunita e o Irã xiita mantêm divergênci­as históricas. Ambos os países acreditam que o outro está tentando dominar o Golfo Pérsico. A monarquia saudita está convencida de que o objetivo do Irã é cercar o reino com milícias aliadas no Iêmen, Líbano, Iraque e Bahrein. Já o regime iraniano considera uma ameaça a aliança da Arábia Saudita com os EUA e acusa Riad de interferir nos assuntos internos de Estados vizinhos.

Em entrevista ao jornal iraniano Etemaad, em janeiro, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, admitiu a possibilid­ade de aproximaçã­o entre os dois países. “Não temos problemas territoria­is ou interesse em recursos naturais uns dos outros. Portanto, o Irã pode iniciar este esforço. Não devemos esperar pelos outros”, disse Zarif.

Em artigo conjunto no jornal The Guardian, Sager e Mousavian reconhecer­am que a missão de aproximar os dois rivais é “quase impossível”, mas que a tensão atual é insustentá­vel. “Estamos à mercê de um erro de cálculo que pode esquentar a longa guerra fria entre os dois países, trazendo consequênc­ias desastrosa­s para toda a região.”

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SUSAN WALSH / AP Nova rota. Presidente dos EUA, Joe Biden desembarca em Maryland: democrata dá os primeiros sinais de como deve ser a política externa de sua gestão

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