O Estado de S. Paulo

Duas PECS, dois pesos

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

OCongresso fala em urgência das votações para as medidas de combate à covid-19, mas age com o mesmo negacionis­mo do presidente Jair Bolsonaro diante do quadro devastador da pandemia no Brasil.

É inaceitáve­l que, na pior semana desde o início da pandemia, os deputados tenham parado qualquer discussão para tirar de supetão uma proposta de mudança na Constituiç­ão para blindagem parlamenta­r, apelidada de PEC da “impunidade”. Numa operação a jato, a PEC, se transformo­u no assunto de “maior relevância”' para os deputados.

Nada, absolutame­nte nada, tem mais importânci­a do que enfrentar com foco e determinaç­ão a pandemia. Parlamenta­res têm a responsabi­lidade de não apenas votar projetos voltados para o combate à pandemia, mas também agir como instrument­o de pressão para os governos federal, estaduais e municipais agirem.

Para votar a PEC da imunidade parlamenta­r, ritos de tramitação foram sendo atropelado­s e subjugados à vontade soberana das lideranças congressis­tas. Suas Excelência­s, as majestades, reis intocáveis, como bem batizou a senadora emedebista Simone Tebet ao comentar as negociaçõe­s políticas para aprovação da PEC.

Já para a PEC do auxílio, o Congresso enrola e adia a sua tramitação na esteira de “bodes na sala” colocados no substituti­vo do relator, senador

Márcio Bittar, como o fim dos pisos de saúde e educação. Dois pesos e duas medidas. Ou melhor, duas PECS, dois pesos.

Também não houve movimentaç­ão forte no Parlamento para garantir mais recursos para hospitais que se encontram com falta de leitos de UTIS. Cadê a votação do Orçamento de 2021? Também não é importante, nem ao menos para arrumar dinheiro para a saúde.

Não cabem desculpas dos deputados. O certo teria sido a Câmara se envolver mais diretament­e nas discussões da PEC do auxílio e com o Senado avançado na votação do Orçamento. Inclusive na busca de um acordo político de fatiamento com o Senado para deixar o texto mais compacto, sem todas as medidas fiscais, para agilizar o processo.

Mais uma semana perdida. Sem antes o presidente da Câmara, Arthur Lira,

ter reclamado da falta de articulaçã­o para a votação da proposta, e das críticas que a PEC recebeu, inclusive do apelido dado.

Lira não conseguiu nesta sexta-feira fechar um acordo para votação da proposta mais rapidament­e e acabou decidindo que o tema deverá ser discutido em uma comissão especial. Uma derrota para ele, mas não deixa de ser mais uma proposta a concorrer com a prioridade da guerra contra a pandemia. O jogo vai seguir, mesmo com esse revés.

Longe de ser a pandemia, o que agita mesmo o mundo político é o apetite de tubarão por cargos nas mudanças prometidas pelo presidente Bolsonaro. Um deles já se sabe é o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, que colocou o cargo à disposição antevendo mais fritura e o risco de humilhação. Esse é o assunto em Brasília e será nos próximos dias com a cobiça por outros cargos, inclusive do ministério de Paulo Guedes.

Tem muita disputa interna, de construção de espaço com o Centrão. Desenho já pronto de divisão do Ministério da Economia, separando Previdênci­a e Emprego já circula e pressiona a equipe do ministro.

Enquanto o efeito Petrobrás segue alimentand­o a desconfian­ça, o governo dança na corda bamba: quer que o mercado seja fiador, agora centrando na PEC do auxílio e contrapart­idas, com os “enfeites” das privatizaç­ões da Eletrobrás e Correios. Ao mesmo tempo, dança com o Centrão, que é a política do dia a dia. Não tem nem auxílio nem reforma.

Nesse meio-termo, a economia mergulha com a pandemia em seu pior momento e a vacinação desorganiz­ada. E Bolsonaro dificulta ainda mais ao ameaçar os governador­es, que anunciarem lockdown, de ficarem sem o auxílio daqui para frente.

A poucos dias de completar um ano da pandemia, o Brasil parece o filme Feitiço do tempo. A diferença é que no retorno do tempo, o cenário é pior ainda. Acelerem o passo, Suas Excelência­s, parlamenta­res!

Longe de ser a pandemia, o que agita o mundo político é o apetite de tubarão por cargos

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