DESAFIOS DO GLOBO DE OURO
Evento abre hoje a temporada de premiações do cinema com cerimônia virtual.
Na cerimônia do Globo de Ouro em 5 de janeiro de 2020, Reese Witherspoon, Beyoncé e Brad Pitt viram, taça de champanhe na mão, Tom Hanks derrubar lágrimas ao ser homenageado, assim como Ellen DeGeneres. Em seu discurso de agradecimento pelo troféu recebido por Fosse/Verdon, Michelle Williams pediu que as mulheres votassem nas eleições de novembro com seus interesses na cabeça.
Quanta coisa mudou em pouco mais de um ano. De lá para cá, DeGeneres se desculpou ao ser acusada de liderar um ambiente de trabalho tóxico. Joe Biden é o presidente após derrotar Donald Trump. E, por conta da pandemia, na festa do Globo de Ouro hoje, a partir das 22h (Brasília), com transmissão pelo canal TNT, não vai haver jantar, muito menos champanhe. Também não vai ter tapete vermelho, pois a cerimônia será praticamente virtual, com Tina Fey em Nova York e Amy Poehler em Los Angeles. Vai ser um desafio e tanto manter os cerca de 18 milhões de espectadores que veem o evento apenas nos EUA, um número maior do que o do Emmy e próximo da audiência do Grammy, com uma festa em que os indicados vão estar nos sofás de suas casas.
Somam-se a essa dificuldade as críticas à conduta ética da própria organização que promove a premiação, a Associação de Jornalistas Estrangeiros em Hollywood (HFPA, na sigla em inglês). Não é a primeira vez que isso acontece. Mas uma reportagem do jornal Los Angeles Times publicada no domingo, 21, com dezenas de entrevistados, reforçada dias depois por uma feita independentemente pelo jornal The New York Times, reavivou as denúncias de que a associação aparenta ser facilmente influenciável por viagens, festas, presentes e contatos mais próximos com as celebridades, o que explicaria aberrações como as três indicações para O Turista (2010) no passado e as duas neste ano para Emily em Paris, incluindo melhor série de comédia ou musical.
As reportagens também trouxeram outras informações. Como a audiência do Globo de Ouro é uma das maiores para programas não esportivos do canal NBC, os direitos de transmissão têm alto valor. No último ano fiscal, foram US$ 27,4 milhões (cerca de R$ 151 milhões), ante US$ 3,64 milhões (pouco mais de R$ 20 milhões) em 2016-2017. Em outubro, a organização tinha cerca de US$ 50 milhões (R$ 276 milhões) em caixa.
Além de ser um sucesso de audiência, não dá para negar que o Globo de Ouro, a primeira grande premiação do ano, costuma ajudar e muito nas campanhas para o Oscar. E é por isso que Hollywood finge que não se importa com as inúmeras questões levantadas ao longo dos anos, de venda dos ingressos da cerimônia à compra de vagas entre os candidatos, passando pela qualificação questionável de alguns dos membros. Todas as acusações são refutadas pela associação.
A HFPA é extremamente poderosa para um grupo formado por apenas 87 pessoas, com regras de admissão pouco claras e que se recusa a crescer. Muitos dos membros não trabalham em veículos de imprensa reconhecidos e sua produção jornalística é um assunto nebuloso. No ano passado, a norueguesa Kjersti Flaa, que tentou várias vezes ser admitida, entrou com um processo acusando a HFPA de basicamente ser um cartel. Sua ação foi indeferida, mas ela entrou com um aditamento junto com a espanhola Rosa Galmazo.
Sendo um grupo tão pequeno, não parece muito difícil influenciar uma parte desses membros e garantir uma indicação. A reportagem aponta ainda, por exemplo, que cerca de 1/3 deles foram convidados para visitar o set de Emily em Paris na capital francesa. O convite a jornalistas para visitar sets não é incomum. Mas não é difícil entender a razão da suspeição, já que a série pode ser divertida, mas não entra em nenhuma lista de melhores do ano. Enquanto isso, a amplamente elogiada I May Destroy You foi solenemente ignorada.
Uma segunda reportagem do Los Angeles Times sobre os membros da HFPA apontou que, apesar de ter pessoas não brancas entre seus integrantes, nenhuma é negra. Um tweet da revista The Hollywood Reporter sobre o assunto – “L.A. Times revela que HFPA não tem nenhum membro negro” – rendeu um comentário sarcástico da diretora Ava DuVernay. “Revela? Do tipo, as pessoas estão agindo como se isso não fosse amplamente conhecido? Há ANOS?”, escreveu DuVernay. A atriz e diretora Regina King concordou.
Essa falta de jornalistas negros pode explicar em parte a incapacidade da HFPA em sentir o pulso do cinema e da televisão do país onde está baseada. Num ano em que há filmes fortes dirigidos por pessoas negras, o Globo de Ouro não indicou nenhum na categoria melhor drama. Não há Judas e o Messias Negro, de Shaka King, nem A Voz Suprema do Blues, de George
C. Wolfe, nem Uma Noite em Miami..., apesar de Regina King estar indicada para o prêmio de melhor direção. Não é a primeira vez que isso acontece. No ano passado, Watchmen não concorreu. Meses mais tarde, levou 11 Emmys.
Houve progresso. Dos cinco concorrentes como melhor diretor, três são mulheres – além de King, a chinesa Chloé Zhao
(Nomadland) e a inglesa Emerald Fennell (Bela Vingança ). Entre os atores, o grosso de uma premiação que dá preferência a gente famosa, há mais pessoas não brancas do que no ano passado, de Chadwick Boseman e Viola Davis (por A Voz Suprema do Blues) e Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro),
passando por Riz Ahmed (O Som do Silêncio), Tahar Rahim
(The Mauritanian) e Lin-Manuel Miranda (Hamilton)
Mas o Globo de Ouro perdeu a chance de ser histórico. E sentiu. Na quinta-feira à noite, em nota ao Los Angeles Times, a HFPA admitiu que precisa melhorar muito: “Reconhecemos que precisamos incluir mais membros negros, bem como pessoas de outras origens sub-representadas, e vamos imediatamente implementar um plano de ação para alcançar esses objetivos o mais rapidamente possível”. Seja bem-vinda ao século 21.
ENTRE VÁRIAS ACUSAÇÕES, ENTIDADE QUE PROMOVE O EVENTO NÃO TEM INTEGRANTE NEGRO
Primeiro evento da série de premiações da televisão e do cinema, o Globo de Ouro é um termômetro da temporada. Uma informação que a 78.ª edição já indica para 2021 é a participação dos indicados a distância. Ainda assim, o canal E! Entertainment transmitirá com exclusividade neste domingo, 28, a partir das 20h, a cobertura ao vivo do tapete vermelho.
Os apresentadores e especialistas de moda Giuliana Rancic e Brad Goreski atualizaram a tradição e farão entrevistas virtuais com os convidados da cerimônia. Em uma conferência com jornalistas da América Latina, que teve a participação do Estadão, Goreski contou que será uma “mistura” do que foi o Emmy e o VMA. No primeiro, as atrizes e os atores mostraram seus looks diretamente de suas casas. O segundo, além da opção online, tinha vários estúdios onde os artistas eram fotografados em frente a um painel.
“Existem pontos positivos e negativos de não ter um tapete vermelho pessoalmente. Obviamente, não teremos a multidão, os gritos e a boa energia de um tapete vermelho pré-covid-19. Mas agora que estou fazendo principalmente tapetes vermelhos virtuais e sendo possível fazer essas premiações de casa, percebo que existe um sentimento diferente. É como se possibilitasse ser um pouco menos estressante para as atrizes e atores indicados para o prêmio”, afirmou o apresentador.
Brad também atua como stylist – profissional que assessora o artista na escolha da roupa, acessórios, joias e calçados que serão usados em uma ocasião, e nesta edição do Globo de Ouro ele está colaborando com Kaley Cuoco, que foi indicada para a categoria melhor atriz em série de TV – Musical ou Comédia, por sua interpretação em The Flight Attendant. Ele confirma que o nervosismo é menor também para o stylist. “Existe a possibilidade de se divertir sem essa camada de estresse, sem pensar em como vai ficar o vestido quando ela chegar ao tapete vermelho, como vai estar o look depois do percurso de carro, como vai ficar o look depois de duas horas de premiação. Então temos um pouco mais de controle agora e, depois de quase um ano de pandemia, eu acho que estamos adaptados a viver dessa maneira que é a mais segura possível.”
Para os stylists a logística será mais previsível, mas isso não quer dizer que as escolhas de moda serão óbvias. “Não há regras. Você realmente pode usar o que expressa como você se sente”, disse Brad que espera
ver smokings, jaquetas combinadas com camisetas, vestidos de gala e pijamas luxuosos. “Acho que as pessoas respeitarão o tom, o que está acontecendo agora. Mas também acho que as pessoas estão prontas para se vestir com seus estilistas favoritos, com seus vestidos e com suas joias. Acho que as pessoas estão prontas para celebrar os filmes e produções de televisão que nos mantiveram entretidos e distraídos. Acho que vai ser uma noite realmente comemorativa.”
Otimismo será a grande tendência desse prêmio na opinião do especialista de moda, assim as coleções fantasiosas e sonhadoras de alta-costura devem marcar presença. Essa positividade também será demonstrada com cores fortes e vibrantes, como vermelho e pink.
Já as silhuetas serão influenciadas pela cultura do Zoom, ou seja, ganha visibilidade o que é possível mostrar de acordo com a janela de videoconferência. Portanto, a aposta fica entre decotes estratégicos e ombros exagerados.
Quem deve se destacar nesse tapete vermelho virtual? Para Brad Goreski, as expectativas estão sob as indicadas para a categoria melhor atriz em série de TV – Musical ou Comédia, Lily Collins (Emily em Paris) e Elle Fanning (The Great); e ainda duas concorrentes ao prêmio melhor atriz de filme de drama, Viola Davis (A Voz Suprema do Blues) e Andra Day (Estados Unidos vs. Billie Holiday ). “Estou superansioso para ver Lily Collins, eu amo o estilo dela, ela trabalha com Rob e Mariel que trabalham com J Lo, Gwen Stefani e todos os tipos de pessoas fabulosas que eu amo. Lily ama a moda e amo que ela faça escolhas arriscadas. Amo Viola Davis. Amo Andra Day e como é sua primeira atuação muitas pessoas estão superanimadas para vesti-la. Também amo Elle Fanning, ela trabalha com Samantha McMillen, que é uma stylist fantástica. Estou interessado em ver literalmente todo mundo! É uma época tão interessante para a moda e para o mundo. Estou ansioso para ver um pouco de glamour novamente.”