Otimismo à brasileira
Mesmo com a crise, 71% dos brasileiros acreditam que estarão melhor em 2022
A pesquisa apontou que, apesar da crise, 71% dos brasileiros acreditam que estarão em situação melhor em um ano. O índice põe o Brasil no topo do ranking de otimismo, à frente de México (61%) e China (57%).
O chef de cozinha Rafael Silva, de 28 anos, pode gastar bons minutos maldizendo a pandemia. Por causa da covid-19, viu o plano de largar o emprego e investir no próprio restaurante, de uma hora para a outra, virar uma espiral de problemas, alimentada por perda de renda e pilhas de despesas. Uma quebra de expectativas que causa justificado desânimo em pessoas no mundo todo. Mas há um detalhe na história que mostra um traço característico do comportamento dos brasileiros. Apesar de reconhecero mau momento, o coz in heiroé um otimista na hora de projetar o futuro.
Assim como o jovem chef, 71% dos brasileiros acreditam que vão estar em situação melhor daqui a 12 meses – embora, ao mesmo tempo, admitam que acrise do coronavírus trouxe impactos para a rotina e piorou, em geral, seu bem-estar. É o que aponta a pesquisa da consultoria Oliver Wyman realizada com cerca de 40 mil pessoas em 10 países, incluindo o nosso.
O índice põe o Brasil no topo do mundo no ranking de otimismo, bemà frente de México (61%) e da China (57%), os países seguintes. E em explícito contraste com as nações mais ricas, a exemplo dos Estados Unidos (31%), da França (25%) e da Alemanha (22%).
Sujeito do tipo boa-praça, com o amor pela cozinha tatuado nos dedos e no pescoço, Rafael Silva é mais conhecido no mundo da gastronomia como Mike, por ter guardado certa semelhança física com o astro pop Michael Jackson (19582009) em algum momento da vida. Para justificar o otimismo, ele seva lede um raciocínio simples, combas e em observações do que chama de “comportamento geral do consumidor”.
Em resumo, Mike avalia que as pessoas estão trancadas em casa há muito tempo. Então, quando a covid for finalmente uma coisa do passado, quem melhor doque os bares e restaurantes para absorver toda essa demanda reprimida? “A partir do momento em que grupos prioritários forem vacinados e a ocupação de leitos de U TI baixar,a situação vai melhorar bastante ”, projeta.
Pouco antes de a pandemia estourar, o chef de cozinha pediu demissão de um restaurante famoso de São Paulo e se preparava para iniciar um negócio com os sócios. “Quando a obra ia começar, veio o decreto da quarentena e foi tudo por água abaixo ”, conta. “De uma hora para outra, eu me vi desempregado e comum elefante branco .”
Sem ter como arcar com os custos da reforma e do aluguel, Mike pagou multa para devolver o imóvel e decidiu assumir uma pizzaria, então em baixa, na zona oeste, limitada a atendimentos por delivery. Com o passar do tempo, também conseguiu tirar do papel o projeto de um bar, o Gomo, que teve duas unidades abertas no fim de 2020, na região da Avenida Paulista.
Hoje, a movimentação ainda é considerada baixa e os empreendimentos fatura mentre 20% e 30% do esperado. “Tudo isso foi projetado no período pré-pandêmico, mas calhou de agente ter de enfrentares se cenário de incerteza ”, diz .“No mundo ideal, agente não estaria lutando por público.”
Para Mike, no entanto, a recuperação deve ser rápida. “Sinto que, com o tempo, as pessoas vão ficar mais à vontade para sair
de casa”, afirma. “No início, o governo podia até autorizar a abertura, mas demorava uns 15 ou 20 dias para ter movimento. Hoje, não. Liberou, o público já está de volta no dia seguinte.”
Incerteza. No Brasil, a visão positivadofuturosedáapesardosíndices de satisfação com emprego, economias,relaçõespessoaisesaúde física e mental estarem baixos
atualmente. Em número, o grupo que hoje aprova o seu bem-estar totaliza só 35% dos entrevistados. Entre os diferentes campos da pesquisa, a satisfação como trabalho (25%) e com as finanças (24%) tem as piores avaliações no País.
Por sua vez, dados indicam que, na média dos dez países pesquisados, 34% das pessoas não sabem sequer se vão conseguir pagar as contas daqui a um ano – cenário que ajuda a entender o pessimismo difundido pelo mundo. No Brasil, o porcentual é maior, 44%. Mas resistimos ao pessimismo ao projetar o futuro.
Para a psicóloga Adriane Branco, especialista em Medicina Comportamental, parte da explicação para apercepção no Brasil sertão diferente p assapo rumpres suposto cultural. Para ela, o o tim ismoé um traço do povo brasileiro. “Enquanto em outros países a visão tende as ermais objetiva, o brasileiro olha para um problema projetando uma situação mais promisso ralá na frente ”, avalia.
Entretanto, a psicóloga analisa que, mesmo no Brasil, o primeiro momento da pandemia foi marcado por pessimismo, medo e insegurança. “A partir da perspectiva de vacinação no ano passado, ainda que não exista um programa claro no País, as pessoas já começaram a acreditar que tudo ia acabar logo e poderiam retornar à vida normal”, diz. “O problema é que nem sempre essa perspectiva Não bastai de alizar:é preciso criar caminhos para transformar uma situação ruim em boa.”
Um sinal desse impacto n ega tivoéoaument ode casos de ansiedade e depressão registrados no Brasil em 2020. Com base no indicativo, a psiquiatra Danielle Admoni alerta para o risco do otimismo exagerado piorar ainda mais a questão da saúde mental (leia mais na reportagem a seguir) em um futuro próximo. “Tudo depende do tamanho da expectativa. Tem de ter cuidado, porque pode causar frustração”, afirma.
Ex-presidente do Cremesp, o psiquiatra Mauro Aranha destaca outros aspectos que também podem interferir na saúde mental do brasileiro: a falta de coesão social, atualmente demarcada pela polarização política, eaausênc ia dedi retrizes dec om bateà pandemia por parte dos governos. “Por essas cisões, algumas pessoas se sentem desorientadas e desprotegidas”, diz .“Isso cr iauma atmosfera social propícia para psicopatologias.”
Frustração e desnorteamento foram as sensações que tomaram a atriz Renata Alves, de 37 anos, assim que acrise sanitárias e instalou no País. Com viagempr ogra- mada e prestes a estre aruma peça, para a qual já havia dedicado um ano de ensaio, ela precisou abdicar dos planos por causa da covid.
“Fiquei um tempo em negação, sem aceitar, no começo”, relata. “Esse período foi melancólico e decepcionante.Perdi toda a minha essência .” Moradora de São Paulo, Renata só não deixou de trabalhar emu malo jade vinho e de visitara mãe em Guaxupé( MG ), acerca de quatro horas de carro da Capital. Preocupadas com o avanço da doença, as duas ficavam conversando do portão, sem abraço ou qualquer outro ti pode contato físico.
Renata já fazia terapia antes da pandemia, mas migro upara assessões online. No decorrer dos meses, também começou abuscar alternativas para as restrições impostas. Os ensaios, por exemplo, passaram a acontecer por videochamada e a peça, em vez de no palco, acabou entrando em cartaz em formato virtual. Co maca sade cenário e transmissão por streaming, o resultado deixou a atriz, o elenco, a diretora e o público contentes. “Foi muito divertido.”
Hoje, Renata acredita ter melhoradoo bem-estarem relação ao início da pandemia, mas vê o futuro com ponderações .“Mesmo coma vacina, acho que ainda vai demorar um pouco para voltar ao normal, mas acredito que também a gente vai encontrando uma forma mais leve de viver”, afirma. “Já não vivo com aquele peso que era no começo.”