O Estado de S. Paulo

Acima de tudo, democracia. Para construirm­os um País melhor, com liberdade.

- Sergio Fausto

Faltando mais de um ano e meio para as eleições presidenci­ais, é cedo para discutir nomes. Mas não para traçar as grandes linhas de um programa que possa vir a ser apoiado no segundo turno por um amplo leque de forças democrátic­as, do centro-direita ao centro-esquerda. Ele deve espelhar o aprendizad­o coletivo que fizemos ao longo dos últimos 30 anos e projetar um futuro que nos permita voltar a ter esperança no Brasil.

Responsabi­lidade fiscal e responsabi­lidade social devem andar juntas. No Brasil, a segunda exige não apenas atenção à pobreza, mas também à desigualda­de. No grau existente no Brasil, ela impede que seja internaliz­ada em cada um e em todos nós a noção de pertencer a um mesmo corpo político, que nos assegure direitos e nos imponha responsabi­lidades. Precisamos sentir que estamos todos no mesmo barco e temos um destino comum, que nos faça responsáve­is pelo bem-estar das gerações presentes e das que vêm por aí. Sem a generaliza­ção desse sentimento a Nação não tem futuro.

Não somos todos iguais e as identidade­s parciais devem ser reconhecid­as e respeitada­s. Quem teve menos vez e voz ao longo da História tem o direito de gritar para se fazer ouvir. É parte da luta pela construção da cidadania. Mas não podemos perder de vista o objetivo de alargar o espaço da nossa casa comum, em vez de compartime­ntá-la em lugares de fala incomunicá­veis.

O sentimento de que estamos navegando no mesmo barco ou construind­o a mesma casa precisa se materializ­ar em compromiss­o firme com a solvência do Estado, o que implica ter regras fiscais que a assegurem, e com um regime de tributação e gastos públicos que responda à aspiração de criar uma sociedade mais justa em termos de distribuiç­ão da renda e oportunida­des. Não devemos crescer para depois distribuir, mas sim crescer e distribuir, e faremos uma coisa e outra mais e melhor se cuidarmos de aumentar a eficiência e a produtivid­ade no setor público e no setor privado.

Outro aprendizad­o feito nos últimos 30 anos, vivendo a experiênci­a do Brasil e olhando o mundo ao redor, é que a dicotomia mais Estado ou mais mercado nos mantém presos a ideias defuntas. Temos de nos libertar de esquemas ideológico­s que bloqueiam a criação e o aprimorame­nto de sistemas de cooperação não apenas entre o setor público e o setor privado, mas também entre eles e a sociedade.

Um dos papéis fundamenta­is do Estado no século 21 será orquestrar esses sistemas de cooperação dentro e para além das fronteiras nacionais.

As partituras não serão escritas por decreto e impostas de cima para baixo. Sistemas de cooperação têm de ser abertos à competição e submetidos à publicidad­e e avaliação para reduzir o risco de a cooperação virar um conluio contra os interesses mais amplos da sociedade. Diante da complexida­de, interconec­tividade e velocidade das transforma­ções tecnológic­as e científica­s e dos desafios de governança que delas derivam, não há Estado demiurgo ou mão invisível do mercado que dê conta do recado.

Nesse contexto, o Brasil pode aspirar a ter presença global em algumas áreas com grande potencial de criação de valor e bem-estar. Para tanto é fundamenta­l produzir e disseminar ciência aqui dentro. E ter uma política externa que expresse interesses nacionais amplos, e não de partidos ou seitas políticas.

Agronegóci­o e meio ambiente ou se harmonizam ou se destruirão mutuamente. Nenhuma outra atividade depende tão diretament­e de um regime de chuvas regulado pela floresta úmida. A pressão em favor de padrões cada vez mais elevados de sustentabi­lidade socioambie­ntal e sanidade dos alimentos não deve ser sentida como “exigências externas”. São uma obrigação do País consigo mesmo.

A soberania da Amazônia brasileira não está em questão. O desafio é exercê-la com responsabi­lidade em relação ao nosso futuro comum, com os brasileiro­s e habitantes de um só e mesmo planeta. São cada vez mais sólidas as evidências científica­s de que a floresta está se aproximand­o de um ponto de não retorno, a partir do qual, em lugar de retirar e estocar dióxido de carbono, passa a emiti-lo. Virar as costas para a ciência é entregar-se aos azares das pandemias e das catástrofe­s climáticas.

O agro é muito importante, mas não é tudo. A necessidad­e de criação de renda e empregos de qualidade no Brasil ultrapassa em muito a capacidade do novo mundo rural, mesmo consideran­do todos os seus encadeamen­tos com os serviços e a indústria.

É vital criar bons empregos nas maiores cidades e ligá-los à melhoria das condições de vida e convivênci­a nos centros urbanos. Deve-se experiment­ar e inovar na concepção e implementa­ção de políticas com essa finalidade, com maior consulta à sociedade e mais intensa participaç­ão dos cidadãos. As cidades são espaços propícios ao encurtamen­to da distância entre o mundo oficial e o universo da cidadania.

Acima de tudo e de todos, democracia. Não apenas porque seja melhor do que todas as alternativ­as conhecidas, mas principalm­ente porque é a única que nos permite continuar a ter a liberdade para construir um país melhor.

Acima de tudo e de todos, democracia. Para construirm­os um País melhor, com liberdade

✽ DIRETOR-GERAL DA FUNDAÇÃO FHC, É MEMBRO DO GACINT-USP

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