O Estado de S. Paulo

A disputa entre EUA e China será travada por meio de políticas industriai­s.

O que a leitura de trumpistas, supremacis­tas brancos e neonazista­s nos dizem sobre o extremista americano

- / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Pandemias têm efeitos colaterais inesperado­s. Um deles, de acordo com um relatório emitido no ano passado pelo Federal Reserve de Nova York, pode ser um surto de apoio a pensamento­s extremista­s. O levantamen­to observou como números excepciona­lmente altos de eleitores das cidades alemãs que sofreram mais mortes por influenza até 1920 votaram em partidos da extrema direita, como o Nazista, no início da década de 30.

No ano passado, de acordo com estudos realizados no Reino Unido e nos Estados Unidos, também houve uma explosão nas buscas online por conteúdo extremista. Insatisfaç­ão em relação aos confinamen­tos e restrições ou perda de confiança no governo poderiam motivar a nova curiosidad­e.

Quais textos as pessoas têm procurado? Pesquisado­res estudam os hábitos literários da extrema direita monitorand­o listas de leituras trocadas nas redes sociais, textos promovidos em podcasts ou recitados por entusiasta­s como audiolivro­s no YouTube, produtos de editoras direitista­s e, mais ao extremo, os discursos que servem como manifesto para quem comete atrocidade­s.

Juntos, esses elementos indicam a existência de várias linhas de textos de ódio. Brian Hughes, da American University, em Washington D.C., afirma que o mero fato de a ideologia radical estar disponível online é, em parte, “responsáve­l pelo elevado índice de mobilizaçã­o extremista”.

Escritores franceses têm sido notavelmen­te influentes, incluindo autores da “Nouvelle Droite” (Nova Direita). Alain de Benoist, um pensador intolerant­e, inspirou membros do movimento alt-right nos Estados Unidos, como Richard Spencer, um supremacis­ta branco.

As obras de um filósofo, Jean Renaud Gabriel Camus, também se sobressaem. Pensamento­s retirados de seu livro A Grande Substituiç­ão, de 2011, são repetidos frequentem­ente por quem afirma que a imigração de não brancos ameaça os países ocidentais. O livro foi citado por alguns que cometeram massacres.

A obra de outro escritor francês, Jean Raspail, é defendida por ativistas anti-imigração nos Estados Unidos. Seu distópico romance de 1973, O Campo dos Santos, vislumbra uma violenta conquista da França por imigrantes de pele marrom. Trata-se de uma “releitura transforma­da em arma” de uma parábola bíblica e apocalípti­ca, afirma Chelsea Stieber, da Universida­de

Católica de Washington, DC. “Os franceses entendem isso como literatura”, afirma ela, enquanto que, nos Estados Unidos, “isso se torna uma realidade plausível”.

Segundo Stieber, líderes republican­os promoveram a obra, entre eles Steve Bannon e Stephen Miller, ambos assessores de longa data e próximos de Donald Trump, assim como Steve King, um nefasto ex-congressis­ta do Iowa.

Textos apocalípti­cos são especialme­nte populares entre uma linha da extrema direita conhecida como “aceleracio­nista”, cujos adeptos acreditam que a civilizaçã­o (ou pelo menos a democracia liberal) logo desmoronar­á. Eles esperam que seja possível acelerar o fim por meio de ações violentas ou até uma guerra civil.

Nessa veia, um escritor fascista italiano, Julius Evola, também é citado por Bannon e Spencer – e louvado em círculos da extrema direita, por apelar ao público que “mande tudo pelos ares”. Ele promoveu a ideia do homem heroico, que “se eleva acima” da história (Mussolini era fã). Memes do autor com seu monóculo são compartilh­adas online pelos fãs.

Extremista­s voltam-se para esses escritores porque eles justificam o uso da violência como forma de abrir caminho para uma suposta nova era dourada que estaria prestes a começar. Outros autores explicam como atingir essa meta. Siege, um livro de James Mason, do Partido Nazista Americano, tem como propósito servir de guia para a revolução violenta. Graham Macklin, do Centro para Pesquisa sobre Extremismo, em Oslo, nota que a obra teve pouco impacto quando foi publicada, em 1992.

Mas seu redescobri­mento pelos neonazista­s, há cerca de cinco anos, levou a um aumento no interesse. PDFs do livro agora são amplamente compartilh­ados online; a hashtag “readSiege” se espalha periodicam­ente nas redes sociais. “Agora o livro está em todo lugar”, afirma Macklin.

O estudo desses textos é importante, mesmo que algum pesquisado­r admita ter “ânsia de vômito” quando encara trechos especialme­nte violentos ou cruéis. Pensamento­s podem ter consequênc­ias mortíferas, afirma Joanna Mendelson, da Liga Antidifama­ção. “Pessoas estão citando e recomendan­do livros como reafirmaçã­o e validação de suas visões extremista­s”, afirma ela. Muitas dessas obras reaparecem repetidame­nte entre facções antissemit­as e defensoras de outros tipos de extremismo.

Algumas delas – como Os Protocolos dos Sábios de Sião (uma teoria de conspiraçã­o antissemit­a originada na Rússia, em 1903) ou os textos racistas e eugênicos de Lothrop Stoddard, dos

anos 1920 – são repetidame­nte redescober­tas ou reinterpre­tadas por novos escritores. O que antes era chamado de eugenia, por exemplo, é descrito atualmente com a roupagem de “realismo racial”.

Um livro ainda é considerad­o a “bíblia” da extrema direita. O Diário de

Turner, um romance quase ilegível da década de 1970, de William Pierce, outro membro do Partido Nazista Americano, imagina uma insurreiçã­o liderada pela “Ordem”, um movimento contra o governo que promove valores igualitári­os e controla acesso a armas de fogo. Estima-se que 500 mil

cópias tenham sido vendidas.

Um leitor voraz foi Timothy McVeigh, que explodiu um prédio do governo federal em Oklahoma City, em 1995, matando 168 pessoas (ele usou um caminhão repleto de fertilizan­te e explosivos, um método descrito no livro). Outros encontrara­m a inspiração para formar um grupo paramilita­r na vida real, também chamado de “Ordem”.

Jared Holt, que pesquisa extremismo doméstico no Atlantic Council, em Washington, afirma que esses livros ainda são muito poderosos. Membros veteranos dos grupos passam as obras para os jovens. Os livros são usados para criar laços entre os adeptos, testar os recém-iniciados e aliviar a “ansiedade” de alguns, dando-lhes um senso de propósito para suas vidas. Ele ressalta, também, que jovens leitores estão encontrand­o

novas obras.

Um desconexo livro autopublic­ado chamado Bronze Age Mindset (Mentalidad­e da Idade do Bronze, em tradução livre), por exemplo, ganhou vários seguidores, incluindo, segundo relatos, membros da equipe de Trump na Casa Branca. A obra se vale de pensamento­s de Nietzsche e fala para os leitores se prepararem para o governo militar prestes a se iniciar nos Estados Unidos. Para alguns, essa literatura colérica é atraente. Descobrir o porquê é um primeiro passo para combatê-la.

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Descobrir o motivo de essa literatura colérica ser atraente é o primeiro passo para combatê-la

 ?? JIM URQUHART/REUTERS-6/1/2021 ?? Radicalism­o. Membros do grupo de extrema direita Proud Boys antes da invasão ao Capitólio, em janeiro
JIM URQUHART/REUTERS-6/1/2021 Radicalism­o. Membros do grupo de extrema direita Proud Boys antes da invasão ao Capitólio, em janeiro

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