O Estado de S. Paulo

Crer que produzir diesel é como fazer sanduíche é pérola do realismo fantástico populista.

- H.B. FRANCO

Aideia que produzir petróleo seria como fazer um sanduíche de mortadela com queijo foi uma das pérolas dessa semana inesquecív­el, um autêntico festival do Realismo Fantástico Populista Latino-americano.

A imagem do sanduíche se presta à tese segundo a qual os preços dos derivados de petróleo deveriam ser dados por uma margem em cima dos custos variáveis, todos eles comprados numa padaria comum, queijo, pão francês e mortadela. Seguese que associar o custo do sanduíche ao preço internacio­nal do petróleo seria uma tolice apenas explicável por uma conspiraçã­o alienígena neoliberal.

Mas não foi o presidente quem ofereceu essa narrativa fantasiosa ao País, apesar de que suas ações são totalmente consistent­es com a tese. A ideia veio pela esquerda, de onde vieram vários apoios à queda de Roberto Castello Branco. Teve festa no sindicato.

Vale distinguir questões de forma, e de conteúdo nesse assunto do sanduíche, pois, afinal, a imagem, apesar de errada e mal intenciona­da, é pura poesia.

Na forma, nada contra a ideia de simplifica­r problemas difíceis, com o uso de imagens e metáforas. São recursos de exposição utilizados com imenso talento por muitos explicador­es profission­ais, atuando na política, nas redes sociais e no ensino superior. A técnica teve um grande mestre em Donald Trump, mas o Brasil conta com grandes especialis­tas em explicaçõe­s simples e erradas, em falas empoladas, palavrosas e difíceis de interrompe­r, compostas por números chutados, Ciência de Facebook e teorias de conspiraçã­o.

No mérito: produzir óleo diesel não é como fazer um sanduíche, a menos que o leitor imagine que a mortadela tenha que ser retirada de 2 mil metros abaixo do fundo do oceano, furando outra camada de 2 km de pedra e mais outra de 2 km de sal. E tudo isso com máquinas e tecnologia­s que custam uma fortuna.

Não é simples saber quanto custa essa mortadela de águas profundas e como é que isso entra no custo do sanduíche. Talvez por isso mesmo a regra consagrada internacio­nalmente para a fixação dos preços para os derivados do petróleo, consista em seguir o preço internacio­nal do petróleo, e não o custo histórico do sanduíche, mesmo com o preço certo para essa mortadela do fundo do mar.

Nos últimos tempos se convencion­ou designar as melhores práticas internacio­nais como ‘a recomendaç­ão da Ciência’. Pois é.

Para entender a funcionali­dade da regra de paridade com o preço internacio­nal basta imaginar o que se passa quando ela não é praticada.

Se o sanduíche for colocado à venda, dentro de casa, por preço acima do internacio­nal, as pessoas vão comprar do exterior, simples assim. A importação serve para proteger o consumidor dos excessos do monopolist­a.

Se a empresa praticar preços abaixo do mercado internacio­nal, o incentivo é para a exportação do sanduíche, desabastec­endo o mercado interno e fazendo um troco em cima da Petrobrás. O exemplo clássico é de outro setor: subsídio na energia elétrica fazia o Brasil exportar muito alumínio: sobrava dólar e faltava luz.

O subsídio (no diesel, por exemplo) funciona como uma promoção: todo mundo compra e fica estimulado o uso excessivo de coisas que usam intensivam­ente a coisa subsidiada, tipo caminhões.

Dê um subsídio para o diesel, as pessoas vão se entupir de comprar caminhões movidos a diesel, ainda mais se o BNDES criar um outro subsídio para a compra de caminhões a diesel, e aí, em alguns anos, teremos criado um excesso de oferta de capacidade de transporte de carga, um derretimen­to do frete e uma categoria propensa a greves periódicas, que o governo resolve com ... outro subsídio.

É claro que foi um erro terrível mexer no comando da Petrobrás e arrumar uma encrenca com o “mercado”. Mas o presidente da República parece gostar de atravessar a rua para arrumar uma briga errada. Muito claramente, foi uma pulada de cerca no casamento arranjado, e já meio desmoraliz­ado, com a agenda liberal. Como é comum nesses casos, o culpado compra presentes de compensaçã­o: MP da Eletrobrás, PL dos Correios e promessas que nada vai mudar na paridade de preços. Mas tudo indica que são joias falsas.

✽ EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMEN­TOS

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