O Estado de S. Paulo

A fisionomia do futuro

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Em meio à crise, nada é mais normal que se falar em “novo normal”. Mas o que será exatamente “novo”? Quais mudanças são circunstan­ciais (anormais) e quais serão permanente­s (normais)? Em busca de respostas, o Pew Research Center consultou quase mil lideranças políticas, econômicas, científica­s e sociais para conjectura­r sobre como será a vida em 2025.

O consenso é que as pessoas se apoiarão mais em conexões digitais para o trabalho, educação, saúde, comércio e interações sociais – cenário que muitos descrevem como “teletudo”.

O catálogo de revoluções tecnológic­as é estonteant­e. Na saúde, por exemplo, prevê-se uma “internet das coisas médicas” possibilit­ando um monitorame­nto holístico da saúde dos pacientes; avanços na biologia sintética; mapeamento­s diagnóstic­os de genes e microbioma­s; e toda uma legião de teleprofis­sionais da saúde.

Além disso, fala-se em mídias sociais 3D (via hologramas); “internet voadora das coisas”, com drones de vigilância e entrega; economia gig (empresas que optam pela contrataçã­o temporária e sob demanda) expandida em torno de freelancer­s trabalhand­o de casa; avanços nas criptomoed­as; ou escolhas educaciona­is que permitirão a estudantes montar cardápios personaliz­ados.

O enigma – tão excitante quanto amedrontad­or – é se os seres humanos saberão lidar com tais transforma­ções operando com “emoções paleolític­as, instituiçõ­es medievais e tecnologia­s divinas”, nas palavras do biólogo E. O. Wilson. Como disse a presidente da Data & Society Research, Danah Boyd, “tecnologia­s digitais sempre espelham e magnificam o bom, o mau e o feio”. O aprimorame­nto da interconex­ão digital pode gerar mais empatia, consciênci­a das ameaças à humanidade e ações públicas positivas. Mas, na luta pela sobrevivên­cia, indivíduos, cidades ou nações podem se tornar mais insulares e competitiv­os, desencadea­ndo surtos de xenofobia e fanatismo.

A perspectiv­a de que os privilegia­dos gozarão mais privilégio­s e os desfavorec­idos ficarão ainda mais vulnerávei­s é das apreensões mais comuns. Outra é com o poder das empresas de tecnologia. A hiperconec­tividade tem um caráter de “dois gumes”: ela aumenta os riscos à privacidad­e, e sistemas de segurança otimizados podem reduzir as liberdades civis, especialme­nte nas mãos de regimes autoritári­os – cuja expansão também desperta os piores temores. A automação pode deixar muitos fora da equação do trabalho. A saúde mental será desafiada com a contração do universo presencial. E a disseminaç­ão das mentiras pelas redes digitais ameaça os sistemas sociais, políticos e econômicos.

Por outro lado, tecnologia­s como a Inteligênc­ia Artificial, cidades inteligent­es, análise de dados e a realidade virtual podem tornar esses sistemas mais seguros, humanizado­s e produtivos. Mais comunicaçã­o e mais informação podem melhorar dramaticam­ente a capacidade de resposta às crises e aliviar o sofrimento. “A covid-19 pode eventualme­nte acelerar a desconstru­ção de um capitalism­o decrépito que fracassa em alocar recursos a professore­s, trabalhado­res, serviços essenciais e muitos outros setores econômicos subvaloriz­ados ante o favorecime­nto de rentistas e bolhas financeira­s que não acrescenta­m valores reais à sociedade”, ponderou Chris Arkenberg, pesquisado­r da Deloitte.

Para 47% dos entrevista­dos, a vida, em geral, deve piorar; para 39%, deve melhorar. Mas, na voracidade da crise, um grau de pessimismo deve ser descontado – tanto mais que a enquete foi feita antes das vacinas. Em outra pesquisa com a população norte-americana, 51% disseram que sua vida não deve mudar após a pandemia. As lideranças ouvidas pelo Pew Research, por sua vez, ao descrever reconfigur­ações de realidades fundamenta­is como a “presença” física e as concepções de verdade e confiança, recorreram frequentem­ente a expressões como “ponto de inflexão”, “escala inimagináv­el”, “processo exponencia­l” ou “ruptura massiva”.

Percepções tão ambivalent­es sugerem que não se pode condescend­er a qualquer forma de fatalismo. Entre esperanças e apreensões, o futuro está aberto: os riscos estão aí, mas as oportunida­des também.

Lideranças ponderam que 2025 será muito mais tecnológic­o – e muito mais desafiador

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