O Estado de S. Paulo

Marina se vê longe de 2022 e sugere frente pró-Ciro.

Marina Silva (Rede), ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Ex-ministra afirma ter ‘a tranquilid­ade de quem já perdeu três campanhas’ e aponta ‘fragilidad­e da articulaçã­o’ de Huck

- Pedro Venceslau

Depois de receber 1% dos votos em 2018 na sua terceira tentativa de chegar à Presidênci­a da República, a ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (Rede), de 63 anos, diz não ter planos de se lançar em uma nova disputa em 2022. Vivendo em isolamento social em Brasília, ela afirmou em entrevista por telefone ao Estadão que só saiu de casa uma vez desde o dia 1.º de março do ano passado, para ir ao médico.

Sua militância virtual, porém, segue intensa. Ela faz palestras – Marina pretende se aposentar como professora e abriu mão da aposentado­ria como senadora – e lidera os debates do partido que criou, a Rede Sustentabi­lidade. Atualmente, a legenda elabora estratégia­s para sobreviver à cláusula de barreira no ano que vem.

No precoce tabuleiro eleitoral que se formou, Marina sinaliza apoio a Ciro Gomes (PDT) como o mais forte para quebrar a polarizaçã­o entre o PT e o presidente Jair Bolsonaro, embora diga que, antes de nomes, o mais importante é discutir projetos.

• A sra. tem disposição para disputar uma nova eleição presidenci­al?

Não gosto de trabalhar com essas conjectura­s. Depois de ter 1% dos votos numa eleição, e diante de tanta gente que teve um melhor desempenho, é difícil alguém fazer essa proposta. Principalm­ente prevalecen­do esse critério de que se discute primeiro as métricas eleitorais, em termos de voto, e não métricas qualitativ­as, em termos de programa. A única coisa que posso dizer é que tenho me dedicado o tempo todo a construir o que é melhor para o Brasil. Tenho essa disposição para o diálogo. Não sou do tipo que acha que um bom projeto de país só funciona comigo.

• Como tem sido a rotina da sra. na pandemia?

Estou em isolamento social desde o dia 1.° de março do ano passado. Já tenho 63 anos. É de conhecimen­to público que sou uma pessoa hiperalérg­ica e asmática. Só tenho me comunicado com a minha filha que mora aqui do lado. Eles estão em isolamento também. Só saí do condomínio uma vez para ir ao médico.

• Como avalia o cenário da pandemia no Brasil, que bate recorde de mortes, e a estratégia dos governador­es?

Não há dúvida de que o Brasil está sendo avaliado como o país com o pior desempenho na condução das medidas de saúde em relação à pandemia. Isso se deve ao fato de o governo ter desistido de cuidar da população brasileira e pela politizaçã­o, que transforma tudo em cálculo eleitoral. Se o cálculo eleitoral dissesse que fazer lockdown daria algum tipo de dividendo, era isso que teria sido feito. O governo federal, por sua vez, criou todas as dificuldad­es possíveis para se adquirir a vacina. A politizaçã­o eleitoreir­a de um tema que tem a ver com a vida das pessoas é um atraso civilizató­rio. O negacionis­mo tem várias formas. Tem o ideológico e primitivo, que é colocado em palavras pelo presidente Bolsonaro, que lavou as mãos, e outro é o negacionis­mo disfarçado, que maquia o que a ciência está dizendo com uma ética de conveniênc­ia. Se não fosse o trabalho que a mídia tem feito, a sociedade brasileira estaria totalmente à deriva.

• O PT já colocou o “bloco na rua” para 2022 com Fernando Haddad. No PSDB, João Doria já se movimenta como candidato e Bolsonaro trabalha abertament­e pela reeleição. A Rede terá candidato ao Palácio do Planalto?

Há um erro no que está sendo feito. O Brasil vive um cenário de isolamento no âmbito nacional

“Agora é o momento de a sociedade assumir o primeiro lugar. Tenho a tranquilid­ade de quem já perdeu três campanhas, já procurei dar uma contribuiç­ão.”

“O DEM na eleição da Câmara foi para o Bolsonaro. O PSDB tem o Doria. Ele (Huck) precisa refletir muito.”

“Mais uma vez o PT aponta para uma política de exclusivid­ade, de não considerar a gravidade do momento e ficar discutindo pessoas.” e agravament­o da pandemia, mas se cria aqui o falso dilema de que o mais importante é discutir os nomes. O mais importante é discutir qual é o projeto. Eu participo de um campo do qual fazem parte PDT, PV, PSB, Rede e o Cidadania, que tem sido convidado. Há concordânc­ia que neste momento temos que adensar um projeto que leve os setores do campo da esquerda democrátic­a, da centro-esquerda e progressis­tas a ter um projeto que recupere o Brasil para um percurso civilizató­rio coerente com o que é uma democracia ocidental. O Brasil não pode ficar trancado do lado de fora achando que pode queimar floresta.

Nesse coletivo partidário é possível chegar ao consenso em torno de um nome? Nestas legendas tem a sra. e Ciro Gomes...

O Ciro já tem o nome dele colocado desde o início, o que é legítimo. O que estamos fazendo é um apelo ao campo da esquerda democrátic­a não dogmática, da centro-esquerda, dos setores progressis­tas e de centro-direita que pensam em primeiro lugar no Brasil. É nesse lugar que estamos nos articuland­o, e com uma pessoa que tem uma experiênci­a política, administra­tiva e de política nacional que já colocou seu nome, que é o Ciro Gomes. Ele está fazendo esse diálogo maior, que não é em torno do nome, mas do projeto. O pior dos mundos é criar a velha polarizaçã­o que existia, entre PT e PSDB, e deixar o tempo todo o brasileiro em terceiro. Agora seria a velha polarizaçã­o, mas entre Bolsonaro e Lula ou PT. Agora é o momento de a sociedade assumir o primeiro lugar. Tenho a tranquilid­ade de quem já perdeu três campanhas, já procurei dar uma contribuiç­ão.

Acredita então que Ciro pode liderar uma terceira via em 2022?

O Ciro Gomes tem legitimida­de, competênci­a e capacidade para se colocar, mas acho que ele próprio não está trabalhand­o com essa ideia de terceira via. Ele e todos nós buscamos a recuperaçã­o sustentáve­l da economia, a dignidade humana, a defesa da democracia, da liberdade de expressão e das instituiçõ­es. Queremos uma primeira via. E que nessa primeira via o Brasil seja capaz de colocar em primeiro lugar a saúde do povo.

• Como avalia o nome do Luciano Huck para 2022? Ele tem conversado com a esquerda.

Numa democracia é legítimo que surjam nomes. Caberá ao debate democrátic­o mostrar os compromiss­os, ideias, alinhament­os políticos e evitar que haja uma pulverizaç­ão de tal forma que permita a continuida­de daqueles que estão fazendo mal ao Brasil. É importante que surjam novas lideranças no cenário político. É importante que tenha surgido o nome do Luciano e que um jovem de sucesso como apresentad­or tenha a intenção de contribuir com o processo político do Brasil. Eu advogo a renovação da política não só no discurso, mas também dos quadros. Mas acho que ele tem alguns problemas claros a serem enfrentado­s. A fragilidad­e da articulaçã­o em torno da qual a mídia está falando que ele está, com o DEM e o PSDB. A gente ouve que há essa articulaçã­o (dele) em torno do DEM e do PSDB. O DEM na eleição da (presidênci­a) da Câmara foi para o Bolsonaro. O PSDB tem o Doria. Tem aí um desafio muito grande. Ele (Huck) precisa refletir muito.

Descarta uma aliança com o PT em uma eventual frente contra Bolsonaro?

Polos. Marina alerta para risco da ‘velha polarizaçã­o’, agora ‘entre Bolsonaro e Lula ou PT’

Quando o PT já se coloca a

priori como tendo Lula ou Haddad como candidato, ele não está entendendo o que está acontecend­o. Esse é o momento de olhar de baixo para cima para enxergar o que está acima de nós, e não se candidatar à permanênci­a da velha polarizaçã­o. O PT tem uma força gravitacio­nal enorme e é um ator importante no processo político, mas a sua importânci­a estratégic­a será medida pela capacidade de verificar que nem sempre aqueles que têm força gravitacio­nal para polarizar mais conseguem ter a maior credibilid­ade para derrotar aquele que precisa ser derrotado neste momento. Mais uma vez o PT aponta para uma política de exclusivid­ade, de não considerar a gravidade do momento e ficar discutindo pessoas. Os partidos e lideranças precisam ter um pouco mais de humildade.

A Rede recorreu ao STF contra a decisão que impede a fusão de legendas fundadas há menos de cinco anos. Ano que vem será a prova de fogo dos partidos pequenos para superar a cláusula de barreira. A ideia é fundir a Rede com outra legenda?

A Rede não está consideran­do a fusão. Esse debate foi feito

em 2019 e algumas pessoas da Rede achavam que era melhor uma fusão com o Cidadania. Tenho um respeito enorme pelo Roberto Freire, mas a nossa escolha é que a Rede é necessária. Tomamos essa decisão mesmo não tendo (recursos do) Fundo Partidário.

Se a Rede não considera a ideia de fusão, por que recorreu ao STF?

A democracia existe para que as pessoas possam ter o direito de escolha. O fato de eu não querer fazer uma coisa não significa que vou criar um mecanismo para todos pensarem igual a mim. Eu posso não querer a fusão neste contexto, mas é possível que em outro contexto isso possa vir a ser desejado.

A sra. defende a proposta de federação partidária para superar a cláusula de barreira?

Esse debate vem sendo feito e a Rede participa dele, junto com PCdoB e PV. Isso possibilit­aria aos partidos que têm programa, ideal e não são fictícios de poderem existir com suas identidade­s e programas. Esse debate está sendo feito, sim, entre partidos. Toda discussão na reforma eleitoral foi punir e acabar com os partidos de aluguel.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO - 13/11/2018

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