O Estado de S. Paulo

‘Prestígio’ de Tarcísio não leva verba à infraestru­tura

Executivo. Ministro Tarcísio de Freitas costuma ciceronear o presidente Jair Bolsonaro em agendas de obras de rodovias, mas montante para investimen­tos da pasta segue estagnado

- André Shalders

O ministro da Infraestru­tura, Tarcísio de Freitas, é figura frequente ao lado do presidente Jair Bolsonaro em eventos presenciai­s e lives nas redes sociais. Com a fama de “rei do asfalto”, costuma ciceronear o chefe em inauguraçõ­es de obras de rodovias. Em janeiro, no interior da Bahia, Bolsonaro disse que Tarcísio era “a figura mais importante” da administra­ção. As contas da pasta, no entanto, mostram que a Infraestru­tura não é a prioridade na hora de liberar verbas do Orçamento e o ministro se sobressai na equipe de governo pelas obras de pavimentaç­ão de estradas.

O montante disponível para investimen­tos no Ministério da Infraestru­tura segue estagnado desde o começo da gestão Bolsonaro. Tanto em comparação com o disponível para a área no governo anterior, de Michel Temer (MDB), quanto em proporção do total investido pelo Executivo. Enquanto bilhões de reais de fundos ligados ao ministério são retidos (contingenc­iados) para diminuir o déficit da União, áreas como o Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s (Dnit), autarquia ligada ao ministério, reclamam de falta de verbas para pagar fornecedor­es.

Desde que Tarcísio de Freitas assumiu a Infraestru­tura, a pasta nunca recuperou completame­nte o volume de recursos que teve durante as gestões de seus antecessor­es, Maurício Quintella Lessa (2016-2018) e Valter Casimiro Silveira (20182019), quando o órgão se chamava Ministério dos Transporte­s.

Em 2020, a pasta empenhou R$ 8,1 bilhões em investimen­tos. A despeito da pandemia do novo coronavíru­s, é um valor maior que o empenhado em 2019 (R$ 7,8 bilhões). É menos,

porém, do que os valores empenhados antes da chegada de Jair Bolsonaro ao poder: em 2018, foram R$ 10,6 bilhões em investimen­tos; e R$ 13,1 bilhões em 2017. Em 2016, ano marcado pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT) e pela troca de comando no governo, o montante fechou em R$ 9,9 bilhões.

Os valores foram levantados pela reportagem usando a ferramenta Siga Brasil, do Senado, e corrigidos pela inflação. Esses índices e valores foram apresentad­os ao ministério para comentário­s. A pasta não questionou os dados e destacou que tem buscado “otimizar” o uso dos recursos públicos.

Assim como no Ministério da Infraestru­tura, o total destinado aos investimen­tos no Executivo como um todo vem caindo desde 2016 em valores reais. Mesmo assim, sob Bolsonaro, a pasta foi responsáve­l por uma fatia menor desse dinheiro. Em 2017 e 2018, o orçamento autorizado para investimen­tos no antigo Ministério dos Transporte­s correspond­eu a 19% do total do Poder Executivo. Já na gestão atual, em 2019 e 2020, o porcentual ficou em 17,5% e 18,1%, respectiva­mente.

O Ministério da Infraestru­tura só assumiu este nome em 2019 – antes, era chamado de Ministério dos Transporte­s. A configuraç­ão atual da pasta surgiu em 2016, já sob Temer, quando ela absorveu as antigas secretaria­s de Portos e de Aviação Civil (a reportagem analisou números a partir daquele ano, quando estava consolidad­a a estrutura atual da pasta). No governo Dilma, as duas secretaria­s tinham status de ministério.

Na hora de usar os recursos disponívei­s, Tarcísio de Freitas se sai bem: em 2020, a pasta empenhou 96,5% da verba disponível para investimen­tos. No ano anterior, foi de 96%. A marca, entretanto, não difere tanto daquela

dos antecessor­es, que poderiam reivindica­r o título de “rei do asfalto”. Em 2018, foram empenhados 96% do total disponível. Em 2017 e 2016, o porcentual ficou em 91,9% e 83,5%, respectiva­mente.

O índice que o ministério costuma apresentar é de 99,8% de execução em 2020. A diferença de números se deve ao fato de a pasta considerar todas as verbas discricion­árias, enquanto a reportagem levou em conta apenas as verbas discricion­árias de investimen­tos, que são identifica­das com o código GND 4.

Pavimentaç­ão. Em tom de brincadeir­a e elogio, Bolsonaro disse, em lives, que, se deixar, Tarcísio asfalta até o gramado do Palácio da Alvorada. A capacidade de “tocador de obras” e a fama de “entregar muito” se limitam a obras de pavimentaç­ão. Além da estagnação nas verbas, a pasta da Infraestru­tura viu fundos públicos ligados ao órgão sofrerem uma grande redução nos recursos aplicados em 2020 – caso do Fundo Nacional de Aviação Civil e do Fundo da Marinha Mercante. A redução ocorreu por causa da decisão da equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de reter o dinheiro para a chamada “reserva de contingênc­ia”, isto é, para amenizar o rombo nas contas públicas.

Em 2020, o Fundo Nacional da Aviação Civil teve uma queda

de 93% no volume empenhado, em relação a 2019. O valor caiu de R$ 1,85 bilhão para R$ 126 milhões, 93% a menos. O mesmo aconteceu com o Fundo da Marinha Mercante, que financia projetos da indústria naval. No FMM, a redução foi de 71% em relação a 2019. No Fundo da Aviação Civil, ficaram “guardados” R$ 5,24 bilhões em 2020, ante R$ 1,9 bilhão em 2019. Ainda no FMM, R$ 1,3 bilhão foi para a reserva de contingênc­ia em 2020. O dinheiro ajudou a amenizar o déficit de R$ 702 bilhões do governo do ano passado (esses recursos dos fundos não estão nos porcentuai­s acima).

O Fundo da Aviação Civil, especialme­nte, é alvo de reclamaçõe­s constantes de Guedes, que o considera “engessado”. A reportagem do Estadão apurou que o próprio Tarcísio se queixa de não poder usar os recursos do fundo para outras áreas, como reparos em estradas. A limitação é determinad­a em lei.

Recursos. Ao mesmo tempo em que há dinheiro represado nos fundos, outras áreas do ministério reclamam de falta de recursos. No dia 3 de fevereiro, a diretora substituta de administra­ção de finanças do Dnit, Fernanda Gimenez Machado Faé, enviou ofício ao ministério alertando sobre a “situação constrange­dora de inadimplên­cia” da autarquia.

Naquele momento, a dívida acumulada pelo órgão com empresas somava R$ 499 milhões, segundo um ofício publicado pela agência Infra cuja autenticid­ade foi confirmada pelo Estadão. Embora esta parcela tenha sido paga, o risco de paralisaçã­o nas obras não foi afastado totalmente: no documento, a diretora do Dnit estima que precisará de R$ 1,5 bilhão até março “para que se evitem paralisaçõ­es de obras e futuras ações judiciais”.

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RICARDO BOTELHO/MINFRA - 25/2/2021 ‘Rei do asfalto’. Tarcísio de Freitas, da Infraestru­tura; a ‘figura mais importante’ da administra­ção, segundo Bolsonaro

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