Caminho para aprovar mudanças migratórias é longo e complicado
Com a proposta de reforma migratória, o presidente Joe Biden dá um passo em direção a uma de suas promessas mais importantes, a modernização do sistema de imigração americano. Se aprovado, o projeto fará a maior mudança na lei de imigração em mais de três décadas – a última, que beneficiou 3 milhões de imigrantes ilegais, ocorreu em 1986, durante o mandato de Ronald Reagan.
A proposta sinaliza uma mudança radical em relação a Donald Trump – que, em quatro anos de mandato, assinou mais de 400 ações executivas que endureceram as regras de imigração. Também é um contraste significativo com o governo de Barack Obama, do qual Biden foi vice, que foi duramente criticado por deportar mais de 3 milhões de imigrantes e não abordar a imigração quando os democratas controlavam a Câmara, o Senado e a Casa Branca.
“Os governos Obama e Trump não foram governos de extrema ruptura, como muita gente pensa”, explica o professor de Relações Internacionais da PUC-SP Arthur Murta. “Com Trump, vimos recrudescimento, mas a administração de Obama não foi pró-imigração. Nunca tantas deportações foram feitas como naquele período”, afirma.
Para Murta, a maior diferença entre Obama e Trump estava no discurso. “Obama não tinha retórica anti-imigração, mas tinha políticas anti-imigração. Já Trump tinha os dois”, afirma. Nesse sentido, a mensagem de Biden é clara. “Com as medidas tomadas até agora, Biden quer mostrar que sua retórica – 100% a favor da imigração – terá lastro.”
A reforma não tem um caminho tão fácil pela frente. Embora os democratas tenham maioria na Câmara e o Senado esteja dividido em 50-50 com desempate nas mãos da vice-presidente democrata, Kamala Harris, a aprovação da reforma exige a conversão de dez republicanos.
Para Carolina Carnaúba, diretora da PwC Brasil, medidas focadas em vistos de emprego podem dar aos democratas poder de barganha no Congresso. “O Senado tem uma posição diferente da Câmara, onde Biden tem uma maioria ampla. Se por um lado a Câmara tem uma visão mais humanitária, por outro, o Senado deve trazer a questão de reconhecimento de mão de obra qualificada”, afirma. “Os senadores devem olhar com perspectiva mais favorável às políticas migratórias que visam vistos de trabalho.”
Para o advogado Felipe Alexandre, fundador da AG Immigration, alguns pontos são mais complexos. “Hoje, se um imigrante tem registro criminal, mesmo que ele tenha feito tudo para se reabilitar, isso continua constando na ficha e pode resultar em deportação”, explica. “A proposta de lei, por outro lado, prevê que se a pessoa é condenada, mas passa por um programa de reabilitação, esse registro seria anulado. É uma medida política e, com certeza, o outro lado vai lutar contra.”
Outra medida que pode criar polêmica, crê Alexandre, diz respeito à ampliação de fatores que serão analisados na hora de uma decisão. “A proposta quer dar mais discrição para que oficiais e juízes de imigração considerem mais circunstâncias”, explica. “Se aprovada, eles devem considerar fatores como a ausência de registro criminal ou a gravidade do crime cometido, quais são os laços do imigrante com a comunidade, se ele trabalha e paga impostos, se tem família nos EUA”.