O Estado de S. Paulo

Conviver com o diferente

- E-MAIL: rosely.estadao@gmail.com ROSELY SAYÃO

Recentemen­te, a mãe de um garoto que tem autismo postou um vídeo-desabafo em sua página em rede social que foi espalhado pela internet com milhares de visualizaç­ões. Emocionada, ela contou que, depois de cumprir todas as exigências da escola para matricular o filho e, inclusive, pagar a anuidade, na entrega dos documentos – com o laudo médico do diagnóstic­o do filho – ouviu que a escola não tinha mais vagas.

Essa mãe não está sozinha. Representa milhares de outras mães que têm filho com doenças mentais ou deficiênci­as e ouvem essa mesma desculpa esfarrapad­a das escolas – a maioria delas particular­es – e têm negada a matrícula da criança ou adolescent­e. Por quê? Por motivos diversos presentes na comunidade escolar.

Vamos pensar no lado da escola. A maioria dos professore­s não se sente preparada para trabalhar com esses alunos. Desde o curso de Pedagogia até a formação continuada que algumas escolas ofertam, há pouco conhecimen­to a respeito de como é possível mudar didáticas e adaptar metodologi­as para permitir que esses alunos desenvolva­m o potencial que têm.

Há também, e principalm­ente, as questões que envolvem a convivênci­a desses alunos com seus colegas. Para falar francament­e, também não há, na formação de professore­s, conhecimen­to transmitid­o que dê a eles recursos para ensinar a convivênci­a pública na instituiçã­o. E ainda há escolas que dizem praticar a “educação para a cidadania”!

A escola é responsáve­l pela formação de seus professore­s. Claro que há o esforço pessoal de cada um no aprimorame­nto do conhecimen­to. Mesmo assim, só com a formação que a instituiçã­o deve possibilit­ar aos seus professore­s é que se constrói uma equipe com condições de trabalhar com todos os alunos que lá estudam.

A escola precisa também fazer investimen­tos para ter um número maior de docentes. A docência compartilh­ada é uma ótima maneira de trabalhar com alunos que exigem mais da escola. E aí reside um grande problema: grande parte das escolas particular­es se tornou um negócio que precisa dar lucro. Sim, uma escola privada é um negócio que precisa se sustentar, mas não é um negócio qualquer. Por causa desse conceito, não são muitas as escolas dispostas a gastar mais com funcionári­os.

Há também, por parte das famílias dos alunos que frequentam a escola, uma resistênci­a em aceitar que seu filho conviva com colegas diferentes e que dão trabalho. Certamente muitos já ouviram falar de solicitaçõ­es de grupos de pais, ou até de abaixo-assinados, pedindo ou exigindo que algum aluno seja cancelado da escola, para usar o termo do momento. Mas quem ouviu falar de solicitaçõ­es de pais para que a escola inclua alguma criança?

Esse movimento de inclusão da diversidad­e na escola já existe, mas em número muito pequeno. A conclusão é a de que criamos uma sociedade que não é inclusiva. Ao contrário. Não é à toa que o grande tema do momento, que tem gatilho em um “reality show”, seja justamente o tal cancelamen­to. O que isso significa? Eliminar e tornar invisíveis pessoas que são diferentes. Há, entre essas pessoas, as que prejudicam outras ou o grupo? Há, na escola, estudantes que prejudicam seus pares ou professore­s? Há. Mas torná-los invisíveis resolve alguma coisa? Não.

O que fazer? Primeirame­nte, é importante que todos saibam que recusar a matrícula de algum aluno é proibido por lei. Uma alternativ­a, quando a escola diz que não há vaga, é solicitar a lista dos alunos inscritos e a quantidade de classes.

O mundo é muito diverso e é nele que os filhos vão viver. As diferenças precisam ser respeitada­s e isso só faz bem a todos. Aprender a conviver com o diferente é uma grande lição de vida porque também resulta em aceitar as próprias diferenças. Evitar que os filhos convivam com os colegas diferentes é impedir que eles aprendam a respeito de si mesmo e dos outros. Precisamos ter apreço pelas diferenças!

✽ É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONA­L E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLA

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