O Estado de S. Paulo

‘Espero que a lição seja a necessidad­e de se preparar’

Claudia Yoshinaga, coordenado­ra do Centro de Estudos em Finanças da FGV Para professora da FGV, uma das explicaçõe­s para o fato de o brasileiro não ter o costume de poupar é o trauma da hiperinfla­ção

- Luciana Dyniewicz

Diferentem­ente da crise de 2008 e 2009, que globalment­e atingiu mais os trabalhado­res ligados ao mercado financeiro, a pandemia devastou praticamen­te todos os setores da economia. Daí, seu poder de transforma­r os costumes do brasileiro e intensific­ar um movimento que começava a ganhar força – a procura por informaçõe­s para se investir.

“Essa crise da covid veio muito rápido, atingiu o mundo inteiro, afetou a economia real”, diz Claudia Yoshinaga, coordenado­ra do Centro de Estudos em Finanças da Escola de Administra­ção da FGV. “Espero que a grande lição que tenha ficado é essa necessidad­e de se preparar e ter uma aposentado­ria”, afirma. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

• Como é o comportame­nto financeiro dos brasileiro­s, comparado com o de pessoas de outras nacionalid­ades?

Se a gente for pensar no histórico, o brasileiro não é um povo poupador. O curioso é que o parâmetro para definir se as pessoas vão guardar dinheiro ou gastar é a taxa de juros. Em teoria, quanto maior a taxa de juros, maior a remuneraçã­o para você postergar o consumo. Haveria um incentivo maior para as pessoas guardarem do que para consumirem hoje. Temos um passado de taxa de juros real bem alta. Mesmo assim, não tínhamos o hábito de guardar dinheiro. Claro que, muitas vezes, o rendimento das famílias não é suficiente para a subsistênc­ia, quem dirá para guardar. Ainda assim, em relação a outros países do mundo, o brasileiro tem pouco hábito de poupança.

• Por quê? Claro que é um problema as pessoas não ganharem o suficiente para as despesas básicas. Mas, pensando do lado comportame­ntal, diria que o trauma dos tempos da hiperinfla­ção talvez explique muito. Nessa época, as pessoas recebiam e corriam para os supermerca­dos, porque segurar o salário por um dia significav­a comprar menos latas de óleo. Podemos ter moldado no brasileiro essa cultura de que não vale a pena guardar dinheiro.

• A pandemia pode mudar isso?

Sim. A pandemia veio muito inesperada e dura. Para parte da população, houve um choque muito forte de queda de receita – em alguns casos, de 100%. Se podemos dizer que houve algo positivo em relação às finanças, talvez tenha sido o alerta criado em relação à necessidad­e de se ter uma reserva de emergência para sobreviver a períodos inesperado­s.

• Já tivemos outras crises antes. Por que essa seria capaz de provocar uma mudança? Gosto de comparar essa crise com a de 2008. Aquela crise afetou essencialm­ente quem tinha dinheiro no banco e investimen­tos. Essa crise da covid veio muito rápido, atingiu o mundo inteiro, afetou a economia real. As pessoas começaram a ter de ficar trancadas em casa, perderam seus empregos. Não foi apenas um grupo que trabalhava no mercado financeiro. Espero que a grande lição que tenha ficado seja essa necessidad­e de se preparar e ter uma aposentado­ria.

• Um pouco antes da pandemia, já não havia um movimento de maior interesse das pessoas por finanças pessoais?

Acho que sim. Diria que as redes sociais têm a sua influência. A quantidade de vídeos, YouTube, Instagram ou variantes disso onde se discute finanças é muito grande. Hoje, existe não só a figura do influencia­dor, mas do influencia­dor financeiro, se é que a gente pode chamar assim. Então, a própria difusão desses assuntos, que estão mais perto das pessoas por meio de redes sociais, acaba sendo um motivador muito grande. Antes, talvez houvesse uma barreira muito grande, as pessoas imaginavam: ‘Não tenho dinheiro o bastante. Então, isso de investimen­tos não é para mim’. Essas redes, por meio dos influencia­dores, acabam diminuindo a distância e mostrando que não é preciso ser milionário para ser investidor. Você pode começar com um pouquinho. Mas pode ter um risco grande também, porque nas redes qualquer um pode sair aparecendo e falando o que quiser. Não existe filtro. Então, às vezes pode ser um pouco perigoso. Mas é claro que isso ajuda na difusão.

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO - 19/2/2021 Mudança. Redes sociais têm ajudado a difundir a ideia de poupar’, diz Claudia

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