Brasileiro foca no básico e posterga sonhos de consumo
Pesquisa mostra que 55% das pessoas vão priorizar alimentação e remédios; 71% descartam gasto acima de R$ 2,7 mil
O baque da pandemia de covid-19 gerou aumento do desemprego e pressionou a renda dos brasileiros, que passaram a analisar com mais rigor a situação antes de fazer qualquer desembolso. Para 2021, a tendência é de foco no básico – comida, remédios e gastos com o lar – e de adiamento de sonhos de consumo, como reformas e eletrodomésticos, segundo pesquisa da consultoria Oliver Wyman.
O levantamento, que ouviu 4 mil pessoas no Brasil, mostra que a preocupação com o tema dinheiro é alta. Como muita gente foi pega desprevenida pelo fechamento repentino da economia, medida necessária para conter a disseminação do coronavírus, a ordem do dia é agir mais como formiga, que pensa na escassez do inverno, do que como a cigarra, que age como se a fartura do verão fosse eterna.
A pesquisa mostra que o brasileiro olha 2021 com cautela: 71% afirmam que não vão fazer “grandes desembolsos” ao longo do ano. Além disso, quando questionados sobre como planejam os gastos, 80% se dizem disciplinados ou muito disciplinados (veja quadro acima).
Essa cautela está ligada, diz o estudo, à clara percepção de piora do emprego e da renda. Além dos números do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 – cuja prévia do Banco Central apontou queda superior a 4% –, as pessoas dizem estar sentindo dificuldades na carne. Mais da metade dos entrevistados preveem reduzir a poupança, enquanto 44% dizem que sua situação financeira piorou.
No entanto, em uma sociedade desigual como a brasileira, a pandemia não afetou todos da mesma maneira. “A verdade é que a pandemia foi bem pior para os pobres, que não têm a opção de fazer home office”, diz Thiago Alvarez, fundador do aplicativo de finanças pessoais Guiabolso. A visão é corroborada por Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva: “Os mais ricos foram menos impactados pelo desemprego. Além disso, beneficiaram-se de uma sensação de desperdício, de roupas
Fazendo as contas “O cálculo não é de poupança de longo prazo, mas sim se uma nova prestação cabe no ganho do mês. Agora, não cabe.” Maurício de Almeida Prado PRESIDENTE DA PLANO CDE
não usadas ou eletrônicos esquecidos na gaveta.”
Mesmo na baixa renda, há abismos de perspectiva. Na classe C, o controle financeiro está menos ligado ao aumento da poupança e mais relacionado à disposição para tomar crédito, segundo Meirelles. “Há uma luta para a manutenção da qualidade de vida e, ao mesmo tempo, uma sensação de insegurança. Não tem nada pior para a economia do que pessimismo.” Já nas classes D e E, a situação é emergencial: sem a volta do auxílio do governo, a perspectiva para muitos é a fome.
Para Maurício de Almeida Prado, presidente da consultoria Plano CDE, é muito difícil para as pessoas mais pobres traçarem planos financeiros em tempos instáveis. “Oitenta por cento dessas pessoas não têm reserva de emergência e vivem em uma situação em que a renda sempre varia muito. O orçamento dessas residências geralmente é composto por ‘bicos’ de vários membros da família. Quanto mais pobre a família, mais raro é o emprego CLT.”
Na visão do especialista, a disposição em segurar gastos está menos ligada ao planejamento financeiro e mais à falta de renda. “O cálculo não é de poupança de longo prazo, mas sim se uma nova prestação cabe no ganho do mês. Agora, não cabe”, diz Prado. “A população vai cortar muita coisa: lazer, beleza, alimentação fora de casa. A única coisa que não se corta é a internet, que se tornou vital mesmo para as classes C e D.”