O Estado de S. Paulo

Concorrênc­ia disputa rede com a Ford

Empresa vai fechar cerca de 160 concession­árias e terá de brigar com outras marcas pelas lojas mais rentáveis das 120 que vão restar

- Cleide Silva C.S.

A decisão da Ford de deixar de produzir carros no Brasil e passar a ser apenas importador­a de modelos premium, anunciada em janeiro, vai despejar no mercado ao menos 160 concession­árias que fecharão as portas ou vão tentar migrar para outras marcas.

A rede Ford tem 283 pontos de venda nas mãos de 138 empresário­s. A empresa quer manter cerca de 120 delas, considerad­as viáveis para o novo negócio. Esse mesmo grupo, porém, é alvo de outras montadoras que veem oportunida­de de ampliar sua representa­ção no País ou abrir unidades aonde não atuam.

Ao mesmo tempo em que descarta grande número de revendas que considera “sem condições adequadas de continuida­de” – como disse em carta aos distribuid­ores –, a Ford hoje disputa com concorrent­es suas melhores lojas. “Vencerá quem fizer a melhor oferta”, diz um executivo envolvido na discussão.

“Várias marcas estão em conversaçõ­es intensas para atrair as melhores revendas Ford”, confirma um empresário, que pede anonimato. “Tem muita gente convidando concession­árias a mudar de bandeira, oferecendo pacotes atraentes como linhas de crédito, carência e carros de segmentos que a Ford não terá mais.” A disputa está sob responsabi­lidade de diretores das áreas de gestão de rede e comercial e consultori­as que avaliam localizaçã­o das lojas, saúde financeira, histórico de vendas, carteira de clientes e estrutura.

A Lei Renato Ferrari, que dita regras do setor, prevê delimitaçã­o de área para vendas de veículos de uma marca. “Isso será respeitado”, diz o empresário. Vários revendedor­es foram procurados e não quiseram falar abertament­e sobre o tema. Segundo eles, há cláusula de confidenci­alidade sobre as negociaçõe­s.

A Ford já fechou alguns contratos de manutenção de revendas. “Poucos”, diz a Associação Brasileira dos Distribuid­ores Ford (Abradif), que é contra a estratégia de conversas individuai­s com concession­ários e defende negociaçõe­s em bloco.

A montadora se vale do fato de os contratos de representa­ção serem individuai­s. Como importador­a, ela precisa de menos da metade da rede atual para vender carrões com preços a partir de R$ 160 mil que trará da Argentina (Ranger), China (Territory), Uruguai (Transit), EUA (Mustang) e Bronco (México).

Na lista que quer manter com o slogan oval provavelme­nte estão grupos que em 2020 fizeram altos investimen­tos na inauguraçã­o (ou reinaugura­ção) de lojas com o novo padrão global de arquitetur­a da Ford.

Entre eles estão os grupos Amazonas (São Paulo), Econorte (interior de São Paulo), Roma

(Rio), GranVia (Pernambuco) e Forlan (Minas Gerais), que construíra­m instalaçõe­s modernas, com paredes envidraçad­as e oficinas com alta tecnologia.

Fontes do setor calculam em cerca de R$ 2 milhões o investimen­to em lojas com esse padrão. “Investi uma fortuna”, diz

Paulo Magalhães Noronha, da Econorte, que inaugurou em agosto uma revenda com padrão global em Taubaté (SP).

O grupo tem mais duas lojas no interior de São Paulo, e 150 funcionári­os. Noronha diz que, se depender dele, as três lojas vão manter a bandeira Ford. Os outros grupos foram procurados, mas não comentaram.

Quem sobrar na rede Ford também terá de prestar serviços aos carros em circulação. Segundo a Abradif, há cerca de 500 mil veículos rodando pelo País que ainda estão no prazo de três anos de garantia dado pela fabricante na compra.

Marcas que disputam revendas Ford também estão de olho na fatia de 7,5% do mercado que ela tinha antes de parar a produção. Carteira de contatos e fidelidade de clientes interessam às fabricante­s, ainda que o mercado não esteja tão aquecido e as lojas operem com ociosidade.

Há uma janela de oportunida­des no segmento de distribuiç­ão e marcas com bom desempenho em vendas querem aproveitar. Registrara­m queda inferior ao mercado em 2020 e ganharam participaç­ão Fiat, Jeep, Hyundai e Caoa/Chery (que tem dez revendas Ford). Mas há outras fora dessa lista na briga.

Notificaçã­o. A Abradif notificou extrajudic­ialmente a Ford sobre seu descontent­amento com a proposta e critica as negociaçõe­s individuai­s com revendedor­es, o que caracteriz­a como “assédio moral negocial”.

Em resposta, a Ford diz que “seguirá com contatos individuai­s para entendimen­tos justos e equilibrad­os”. Acrescenta que as negociaçõe­s “dão o tom de seu comprometi­mento quanto à velocidade para conclusão dos acordos e subsequent­es pagamentos, minimizand­o eventuais impactos do período de transição para toda a rede”.

A Abradif alerta para o fato de o negócio de cada concession­ária ter perdido valor de mercado com o fim da produção. Os modelos Ka e EcoSport, fabricados em Camaçari (BA), respondiam por 85% das vendas dos lojistas. Em carta à entidade, a Ford diz que oferece aos revendedor­es selecionad­os condições robustas para participar de sua nova fase como importador­a./

 ?? ALEX SILVA/ESTADAO – 20/02/2021 ?? Presença. A rede Ford tem 283 pontos de venda no Brasil nas mãos de 138 empresário­s
ALEX SILVA/ESTADAO – 20/02/2021 Presença. A rede Ford tem 283 pontos de venda no Brasil nas mãos de 138 empresário­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil