O Estado de S. Paulo

‘Eu encontrei um parente perdido durante reportagem’

- Bruna Arimathea, repórter do ‘Estadão’

Quando eu fiz um teste de DNA, em julho do ano passado, para escrever sobre o assunto, a última coisa que eu imaginei foi me tornar uma personagem da matéria. Descobri o que se espera de testes do tipo: minha ancestrali­dade, de onde vinha a mãe de todas as outras mães da minha família e para onde ela foi até dar origem a esta história. E também encontrei minhas “preferênci­as” alimentare­s e os remédios que posso tomar ou não.

A princípio, passei pelo processo padrão da coleta do DNA: o kit chega pelo correio, com um bastão coletor (aquele que parece um cotonete), um tubo recipiente para guardar o material e o envelope de retorno. Depois de dois meses, os resultados estavam disponívei­s na plataforma e comecei a mergulhar nos dados.

Alguns desses resultados me confirmara­m coisas que eu já sabia, o que foi ótimo. Tinham coisas que ninguém acreditava, como não comer certas verduras porque eram “ruins” – o teste identifico­u uma mutação no gene TAS2R38, que indica uma percepção aguda do gosto amargo. Enquanto para mim o teste trouxe dezenas de fatos curiosos, para outra pessoa eles foram uma peça em um quebra-cabeças complexo – é aí que esta história ganha um contorno surpreende­nte.

Na véspera de Natal de 2020, recebi um e-mail do Raphael Dantas, de 36 anos. Ele tinha uma história que é muito comum no Brasil.

Ao nascer, em 1984, ele foi abandonado na maternidad­e e acolhido por uma família de Goiânia, que procedeu coma adoção sem muitos registros – antes de 1988, quando a Constituiç­ão foi modificada, bastava se apresentar ao cartório com os documentos dos pais e registrara criança–éa chamada “adoção à brasileira”.

Para descobrir sua história, Dantas tentou diversos meios: falar coma maternidad­e onde nasceu, procurar por documentos de seus pais biológicos e o teste de DNA. No hospital, seus registros de nascimento já haviam sido queimados, porque passaram do prazo de retenção. Documentos dos pais

biológicos não foram encontrado­s. No teste de DNA, ele me encontrou – somos parentes em 4.º grau. Eu sou a única pessoa com ligação biológica que ele conhece.

Vale dizer: ele só me encontrou porque a plataforma permite que eu deixe minhas informaçõe­s disponívei­s para busca de parentes que também

fizeram o exame. Eu optei por compartilh­ar meus dados, mas nem todo mundo precisa aceitar entrar nesse banco.

Voltando à história: Raphael me pedia por informaçõe­s sobre meus pais, avós, bisavós ou quaisquer dados que o pudesse ajudar na busca. Com o exame, ele descobriu que a maioria de seus antepassad­os eram do Ceará e que sua ligação comigo provavelme­nte vinha da minha família materna. Bem, minha família materna inteira vem de Ceará e Pernambuco.

Comecei uma investigaç­ão para tentar ajudar meu primo. Perguntei para tios, avós, fiz um interrogat­ório com minha mãe, mas não chegamos em nada concreto – a família é grande e sem muitos contatos.

Depois de tentar plataforma­s internacio­nais com bancos de dados e mensagens para outros possíveis parentes, Dantas diz que não pretende mais gastar tanta energia com isso – embora ainda tenha vontade de saber de onde veio.

Hoje, ele tem mulher e um filho de 17 anos – seu único vínculo sanguíneo – e entende que sua família é mesmo quem o criou. Concordei com o meu primo sobre a mudança de rumo durante uma chamada por vídeo. Ele me disse que estava feliz e que acreditava em coisas místicas. Ali eu virei sua família também.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Busca. Dantas descobriu ser parente distante de repórter

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