O Estado de S. Paulo

Modelos alternativ­os de financiame­nto e a transição para um sistema de medicina personaliz­ado

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A discussão do financiame­nto e da alocação de recursos na saúde exige rigor técnico apropriado e análise de múltiplas perspectiv­as – pacientes, sociedade, profission­ais de saúde, fontes pagadoras, governos, geradores de inovação. É importante, ainda, que os conceitos de preço, valor e financiame­nto sejam analisados dentro do contexto da política de saúde, evitando simplifica­ções que podem levar a conclusões enviesadas.

Grande parte dos atuais sistemas de saúde do mundo foi concebida entre os anos 1960 e 1970, em um período em que a ampliação da cobertura à saúde e temas amplos de saúde pública (exemplo: a erradicaçã­o da poliomieli­te) eram o centro do debate. É inquestion­ável que esses sistemas evoluíram, sobretudo na inclusão de mais pessoas e na ampliação da qualidade da prestação de serviços assistenci­ais básicos e de média e alta complexida­de.

Porém, a medicina e a ciência também evoluíram a passos acelerados. Isso gerou um descompass­o entre a disponibil­idade de tratamento­s inovadores e a capacidade de os sistemas de saúde financiare­m esses tratamento­s com base em modelos de remuneraçã­o concebidos há décadas.

Isso torna fundamenta­l a discussão de modelos alternativ­os de financiame­nto em saúde, que visam acelerar o acesso de pacientes a tratamento­s inovadores a partir da gestão de incertezas, sejam elas clínicas ou financeira­s – fundamenta­l, visto ser natural que tecnologia­s disruptiva­s carreguem certo grau de incerteza nos momentos iniciais de sua adoção.

Para ilustrar, tomamos o modelo de risk-sharing (“compartilh­amento de risco”), em que os pagamentos por parte de governos e operadoras de saúde estão atrelados ao desfecho clínico de mundo real de cada paciente – ou seja, a remuneraçã­o está atrelada ao valor. O termo Value-Based Health Care (“saúde baseada em valor”) tem sido amplamente difundido no debate público e é decisivo que os sistemas de saúde do futuro tenham esse conceito como alicerce de seu funcioname­nto.

Entretanto, modelos alternativ­os devem ter prazos estabeleci­dos para serem finalizado­s. Assim, a sua implementa­ção deve considerar a eventual inclusão da tecnologia nas linhas de cuidado já estabeleci­das, uma vez que as incertezas da nova tecnologia em questão sejam mais bem compreendi­das.

Não obstante, quadros de saúde diferentes exigem modelos de financiame­nto adaptados ao tipo de incerteza a ser gerenciada. Terapias que transforma­m o curso natural de uma doença, como é o caso para uma série de doenças raras, trazem incertezas de longo prazo. Dessa forma, acordos de risk-sharing baseados em desfechos são mais frequentem­ente adotados – os primeiros foram implementa­dos na Inglaterra em meados de 2000 e, hoje, são amplamente utilizados no mundo, sobretudo nos EUA.

Adicionalm­ente, muitas das terapias gênicas são administra­das em poucas ou mesmo em apenas uma aplicação. Nesses casos, modelos sofisticad­os de parcelamen­to de pagamento atrelados ao monitorame­nto dos desfechos clínicos dos pacientes passam a ser interessan­tes. Existem diversos outros modelos, sendo que um deles é o de assinatura, que tem o intuito de gerenciar inovações em série, que transforma­m o perfil de doenças crônicas. Esse foi o modelo implementa­do pelo Estado da Louisiana (EUA) para a hepatite C.

Muito além de um conceito, o Value-Based Health Care deve ser uma caracterís­tica intrínseca dos sistemas de saúde das próximas décadas.

1 As opiniões no texto são de responsabi­lidade exclusiva do autor e não refletem o posicionam­ento institucio­nal da IQVIA no Brasil e no mundo

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André Ballalai, pesquisado­r em políticas de saúde e diretor global de acesso na IQVIA1 em NY

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