Estante*
Studiolo, do filósofo italiano Giorgio Agamben, é muito mais que uma reflexão sobre arte. Trata-se de um estudo que reúne textos sobre pintores tão diferentes entre si como Bellini e Holbein, Chardin e Velázquez. Não são ensaios estéticos, mas textos em busca de detalhes para jogar luz sobre aspectos sociais que muitas vezes não são notados em sua época, como Agamben faz, por exemplo, com A Embriaguez de Noé, de Bellini, que Longhi considerava a “primeira obra da pintura moderna”. Entre outras análises, ele mostra como a obra de Dostoievski dialoga com o trágico Cristo de Holbein, que deixou o escritor russo prostrado. /ANTONIO GONÇALVES FILHO
Antes de enveredar pela literatura, Natalia Timerman atuou como psiquiatra, o que explica os temas dos quais suas obras costumam tratar: em Desterros (2017), ela compilou relatos do que viu no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário; em Rachaduras (2019), se aventurou pela ficção por meio de contos que investigavam tensões psicológicas; agora, em Copo Vazio, seu primeiro romance, ela trata do abandono. Mais especificamente, de uma prática chamada ghosting: um homem que desaparece da vida de sua parceira sem deixar vestígio. O livro compõe um mosaico narrativo com capítulos cronologicamente desordenados para retratar essa situação. /ANDRÉ CÁCERES
O livro pode ser lido como uma sucessão de contos do premiado escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, mas eles têm existência autônoma. Podem falar tanto de romeiros como de retirantes detidos pelo governo em “currais”, nos anos 1930. Mais ainda, de imigrantes africanos vivendo em Paris ou de um garoto usuário de crack que o autor, médico, conheceu num hospital público brasileiro. Nosso Chekhov do Crato é um fenômeno. Há também espaço para criticar o horror da bancada ruralista, a destruição da natureza e a ânsia de consumo da emergente classe média de Petrolina e Juazeiro, que não lê e só pensa em comprar celular novo e bolsas Louis Vuitton. /A.G.F.
O escritor jamaicano Marlon James ficou conhecido no Brasil quando venceu o Booker Prize por Breve História de Sete Assassinatos, também publicado aqui pela Intrínseca, mas desde antes de sua obra mais premiada ele já demonstrava interesse em abordar tradições caribenhas, afro-americanas e africanas em suas tramas. Leopardo Negro, Lobo Vermelho é o primeiro livro de uma trilogia de fantasia que se propõe a reavaliar lendas do folclore africano e construir uma visão mítica do continente, num processo semelhante ao de outros autores contemporâneos, como N.K. Jemisin, que levam representatividade à literatura fantástica. /A.C.
Faz quase meio século que Heloísa Buarque de Holanda lançou uma antologia marcante sobre 26 poetas brasileiras ativas nos anos 1970. Agora ela apresenta uma lista maior, de 29 poetas. Hoje a poesia é feita em computadores e celulares, mas conserva viva a lembrança de poetas marginais como Ana Cristina César. São poetas de todo o Brasil, algumas publicadas e outras desconhecidas de grande parte dos leitores. A carioca Alice Sant’Anna, nascida em 1988, parece ser herdeira direta de Ana Cristina, segundo a organizadora, que foi a outros estados em busca da nova dicção feminista da poesia, encontrando em Angélica Freitas outra herdeira da poeta marginal. /A.G.F.
A escritora sueca Selma Lagerlof foi a primeira mulher a vencer o prêmio Nobel de Literatura, em 1909. Embora seu mais conhecido trabalho seja o infantojuvenil A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia, seu primeiro romance foi A Saga de Gösta Berling, um épico de fantasia pelos campos gelados de seu país. O protagonista da obra é um ex-pastor que perde a batina por sua bebedeira e quase morre congelado como um mendigo. Após ser salvo por uma nobre, passa a integrar — e influenciar — o vilarejo de Ekeby, arrebatando os corações das mulheres e até fazendo um pacto com o diabo para tomar controle daquelas terras. /A.C.
A jornalista e escritora parisiense que hoje vive em Londres assumiu o desafio de escrever a história da catedral de Notre-Dame de Paris, destruída num incêndio de proporções gigantescas em 2019. No período revolucionário, ela teve sinos e peças de bronze derretidos e nem o pináculo do século 15 resistiu. No século 19, Victor Hugo escolheu a catedral como cenário de O Corcunda de Notre-Dame (Notre-Dame de Paris). E não só como cenário. Ela é, segundo a autora, a própria história da França, que já foi reduzida a cinzas, ressurgiu e agora está em processo de reconstrução – como a própria catedral, que depende de um consórcio mundial para ser recuperada. /A.G.F.
Páscoa Vieira foi uma angolana levada para o Brasil no século 17, onde foi escravizada em Salvador. Após alforriada, ela se tornou alvo da Santa Inquisição: casou-se no País, mas seu primeiro marido ainda estava vivo em Angola. Acusada de bigamia, ela fez uma nova travessia forçada pelo Atlântico, para ser julgada em Portugal. Por meio de um impressionante caso individual dessa africana submetida às violências institucionais, a historiadora francesa Charlotte Castelnau-L’Estoile analisa a influência da Igreja nas sociedades escravocratas do período colonial, mostrando como a micro-história pode iluminar o panorama de séculos. /A.C.
O pintor Alberto da Veiga Guignard já foi objeto de estudo de críticos como Rodrigo Naves. Agora surge uma biografia escrita pelo jornalista João Perdigão, que toca mais nos aspectos pessoais da vida do artista de Nova Friburgo, conhecido por seus retratos e paisagens mineiras, do que propriamente em sua evolução como pintor. Dependente de álcool, com uma fissura labial e infeliz no amor (sua esposa o abandonou praticamente na lua de mel), Guignard desenvolveu, segundo o biógrafo, um outro vício: a cleptomania. O autor também cita o fetiche que Guignard tinha por uniformes militares, já revelado pelo crítico Frederico Morais em 1974. /A.G.F.
Novela escrita a quatro mãos e vencedora do prêmio Hugo, É Assim que se Perde a Guerra do Tempo é ao mesmo tempo futurista e tradicional: envolve duas espiãs rivais que viajam no tempo atrapalhando os planos uma da outra, mas é narrado por meio de cartas, como na tradição da literatura epistolar. As espiãs, cujos codinomes Red e Blue indicam oposição, trabalham para organizações do futuro cujos desígnios sombrios são insondáveis, mas acabam por se envolver emocionalmente – colocando-se em risco – ao entrar em rota de colisão, comunicando-se por meio de missivas enviadas a cada nova missão. /A.C.