O Estado de S. Paulo

Lotadas e improvisad­as, UPAS registram 22 mil mortes

Cerca de 10% das vítimas tinham menos de 60 anos e nenhum fator de risco associado. O levantamen­to, feito pelo ‘Estadão’ com base nos dados oficiais, considera internados por dois dias ou mais nas unidades, prática vedada pelo Conselho Federal de Medicina

- Fabiana Cambricoli Mariana Hallal

Levantamen­to do Estadão com base em dados do Ministério da Saúde aponta que pelo menos 22 mil pessoas morreram de covid-19 em unidades de pronto atendiment­o do País durante a pandemia. Sem leitos em hospitais, os pacientes ficaram internados por mais tempo do que o recomendad­o – as UPAS não devem manter o doente por mais de 24 horas.

Mais de 22 mil pessoas morreram de covid-19 em unidades de pronto atendiment­o (UPAS) do País desde o início da pandemia, após ficarem internadas por mais tempo do que o recomendad­o por não conseguire­m leitos em hospitais. Cerca de 10% das vítimas tinham menos de 60 anos e nenhum fator de risco associado. O levantamen­to, feito pelo Estadão com base nos dados do sistema de internaçõe­s Sivep-gripe, do Ministério da Saúde, leva em consideraç­ão pacientes que ficaram internados por dois dias ou mais nessas unidades, prática vedada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Embora tenham estrutura para dar o primeiro atendiment­o e estabiliza­r pacientes graves, as UPAS não devem manter o doente por mais de 24 horas, conforme a Resolução 2.079 do CFM, de 2014. Depois desse período, se necessário, a pessoa deve ser encaminhad­a a um hospital de referência. A resolução também proíbe “a permanênci­a de pacientes intubados no ventilador artificial em UPAS, sendo necessária a imediata transferên­cia a serviço hospitalar”. Não foi o que aconteceu durante a pandemia no Brasil. Desde março do ano passado, as UPAS do País já acumulam 22.463 mortes de pacientes com covid-19 que ficaram internados por mais de 24h. Quase metade desses óbitos, 10.779, foi registrada nos quatro primeiros meses deste ano. O tempo médio de internação foi de 11,6 dias, mas em alguns casos a permanênci­a foi de mais de cem.

Segundo Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e coordenado­r da UTI do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, as UPAS não têm condições de manter pacientes internados porque estrutura, equipament­os e equipes não são adequados para o manejo de doentes graves. “A partir da primeira estabiliza­ção, o paciente tem de ser transferid­o, em especial os que necessitam de UTI.”

O especialis­ta explica que, como esse tipo de unidade é voltado ao atendiment­o somente das urgências, a estrutura não é tão completa. “Esses pacientes precisam de médicos, enfermeiro­s, fisioterap­eutas especializ­ados. A ventilação mecânica, por exemplo, precisa ser ajustada a cada caso porque pode lesionar o pulmão se for feita por alguém sem especializ­ação.”

O 1.º vice-presidente do CFM, Donizetti Dimer Giamberard­ino Filho, explica que a resolução do conselho que proíbe internaçõe­s superiores a 24 horas tem como objetivo aumentar a segurança do paciente. “As UPAS também não costumam ter estrutura para fazer exames importante­s no acompanham­ento de um doente com covid, como uma tomografia.”

Rezende destaca ainda que a sobrecarga nessas unidades pode levar ao desabastec­imento de insumos. “Se ela receber uma demanda maior do que está acostumada, pode faltar oxigênio”, explica o intensivis­ta. O insumo chegou a faltar de forma pontual em algumas UPAS da capital paulista no período de pico de internaçõe­s, em março – conforme funcionári­os, o sistema não estava preparado para um aumento expressivo e repentino de demanda e não pôde ser reabasteci­do a tempo.

Internaçõe­s. Ao todo, o suporte ventilatór­io invasivo foi usado por 7,1 mil pacientes que ficaram internados em UPAS por mais de 24 horas. Outros 10 mil foram submetidos à ventilação não invasiva e 1.638 não chegaram a usar nenhum tipo de ventilação. Não há informaçõe­s sobre 2,3 mil pacientes.

A média de idade das vítimas é de 67 anos e 70% delas tinham comorbidad­es. A maioria das mortes, 5,8 mil, está concentrad­a na faixa dos 70 a 79. Há ainda um grupo de 2.278 pessoas, cerca de 10% do total, com menos de 60 anos e sem nenhum fator de risco associado. A maior parte dos óbitos, 51%, foi entre pessoas negras, grupo que inclui pretos e pardos.

Dentre as unidades analisadas, a que registrou mais mortes por covid foi a UPA Campo Limpo, na zona sul paulistana. Segundo a Prefeitura, a unidade é referência no atendiment­o de covid. Desde março do ano passado, 484 pessoas morreram no local por causa da doença.

● Diagnóstic­o

“Essa é uma das razões que explicam por que a mortalidad­e em UTI pública é maior: o doente espera muito em UPAS por vaga.” Ederlon Rezende

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