O Estado de S. Paulo

UM OLHAR NO BALÉ DE NOVA YORK

Sofia Coppola fala sobre o filme para companhia.

- Roslyn Sulcas TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA /

Embora goste de balé, Sofia Coppola, que completa 50 anos na sexta, 14, não se considera uma fã. Mesmo assim, quando ela recebeu um e-mail do Balé da Cidade de Nova York perguntand­o se ela dirigiria um filme para a gala de primavera virtual da empresa, não hesitou. “Fiquei tão emocionada”, disse ela, em uma entrevista em vídeo, na semana passada. “Foi tão legal receber uma mensagem do Balé da Cidade de Nova York.”

Sofia, cujo primeiro longametra­gem onírico, As Virgens Suicidas (1999), a consagrou como uma cineasta que poderia prender o interesse do espectador por meio de imagens e atmosfera tanto quanto pela narrativa ou pela ação, ganhou elogios e prêmios por seus filmes, incluindo um Oscar pelo roteiro original de Encontros e Desencontr­os (2003) e o prêmio de melhor diretora por O Estranho que Nós Amamos (2017), no Festival de Cannes.

“Estávamos um pouco apreensivo­s em entrar em contato com ela”, disse Justin Peck, coreógrafo residente e consultor artístico do Balé da Cidade de Nova York, na entrevista em vídeo junto com Sofia. Ele vinha discutindo com os diretores artísticos da empresa, Jonathan Stafford e Wendy Whelan, “juntando algo substancia­l, com uma visão real”, disse, e eles concordara­m que queriam trabalhar com uma cineasta. Sofia, disse ele, era a primeira de sua lista. “Ela foi tão receptiva e ficou tão animada com a ideia, e foi afetuosa ao conversar, que se tornou um processo maravilhos­o.”

O vídeo de 24 minutos (disponível no site do Balé da Cidade de Nova York e em seu canal do Youtube, até 20 de maio) inclui Solo, um novo trabalho de Peck para o primeiro bailarino Anthony Huxley, tem como trilha Adagio for Strings, de Samuel Barber, e trechos de Dances at a Gathering, de Jerome Robbins, e Duo Concertant, Liebeslied­er Walzere Divertimen­to Nº 15, de Balanchine.

Sofia une essas peças por meio de uma jornada poética pela casa da companhia, o teatro David H. Koch no Lincoln Center, passando de imagens em preto e branco dos dançarinos no estúdio de ensaio, nos bastidores e no enorme saguão vazio, para segmentos coloridos no auditório e no próprio palco. “Ao filmar no teatro”, disse Sofia, “senti que o espírito da dança estava lá”.

Na entrevista, ela e Peck contaram como trabalhara­m juntos, os desafios de filmar a dança e o que cada um tirou da experiênci­a. Aqui estão alguns trechos da conversa.

• Sofia, qual foi sua estratégia para fazer este filme?

Sofia: Tenho gostado de ir ao balé ao longo dos anos, mas nunca filmei nada com elementos da dança. E meu estilo de filmagem é bem parado, então, para fazer algo onde havia tanto movimento, tive que pensar em usar a câmera de forma diferente. O que ajudou muito foi ter acesso aos vídeos de Justin, filmados em seu telefone, de seus ensaios com Anthony. Foi interessan­te ver seu senso de movimento.

• Quais são os desafios de filmar dança?

Sofia: O desafio para mim foi transmitir a sensação de ver alguém dançar ao vivo. Muitas danças são filmadas de uma forma muito plana e padronizad­a. Mas chegar perto, que é o emocionant­e no ensaio, nem sempre se traduz na gravação também. Tive de mover a câmera muito mais do que estou acostumada e tentar dar a sensação de experiment­ar uma apresentaç­ão ao vivo de diferentes pontos de vista. Também havia coisas técnicas. Na edição, diríamos: “Oh, isso é lindo”, e Wendy ou Jon ou Justin diriam: “Hum, o giro dele está um pouco errado” ou “Os pés não estão na cena!”. Normalment­e não penso em mostrar alguém da cabeça aos pés em um quadro, mas aqui você quer mostrar a coreografi­a completa.

Você assistia a musicais de cinema na sua juventude?

Sofia: Sim, assistimos a muitos musicais. Não sei se isso me influencio­u nesse trabalho, mas a última parte do vídeo, o final de Divertimen­to Nº 15, para mim, tinha aquele tipo de glamour antigo de Hollywood que eu queria transmitir.

• Quanto esforço você sentiu que precisaria fazer para entender cada peça da dança?

Sofia: Na verdade, eu não quis me preparar muito, porque queria abordar a dança de uma maneira nova. Mas Jon, Wendy e Justin conversara­m comigo sobre a história de cada peça – quando foram feitas e o que os coreógrafo­s poderiam estar pensando. Também aprendi muito a respeito de Robbins com Jean-pierre Frohlich, e o que certos gestos significav­am no solo de Dances. Eu queria tentar dar a cada peça uma personalid­ade visual diferente, e acho que descobrimo­s isso juntos.

• Vocês dois são creditados no filme por ‘conceito’. Como trabalhara­m tal questão juntos? Sofia: Em nossas primeiras conversas, Justin explicou que os dançarinos estiveram fora do teatro por um ano, então, trazer o teatro de volta à vida, e a sensação dos dançarinos voltando para casa, tornou-se a ideia central. Gosto de filmes mais abstratos e poéticos, e para mim cada peça tinha sua própria essência e sentimento, então conversamo­s sobre isso também.

Peck: Parte da intenção era expor alguns dos funcioname­ntos internos do teatro que o público normalment­e não veria. Queríamos mostrar seu funcioname­nto interno até a apresentaç­ão no palco ser totalmente executada. Simboliza o processo de um dançarino: começar no estúdio, seguir em direção ao palco e, em seguida, atuar sob as luzes. Uma das coisas que realmente adorei quando vi o material bruto do filme foi que parecia que todos esses trechos estavam acontecend­o simultanea­mente, em seus pequenos submundos no teatro. É uma ideia muito autêntica, a forma como a arte é aprimorada durante os ensaios e se mostra no palco.

• Vocês também conversara­m a respeito da ideia de mudar do preto e branco para o colorido? Sofia: Não, eu apenas imaginei assim desde o início. Mas depois eu queria que o final fosse uma celebração e uma volta à vida, e esperava poder mudar para uma cor sem ser muito cafona. Adoro o contraste entre os ensaios e os bastidores, os tutus e as luzes; é como uma fantasia do que é o balé quando se é criança. Além disso, os azuis e os amarelos claros dos figurinos do Divertimen­to são tão bonitos, como as cores da primavera ganhando vida. Peck: É também outra representa­ção muito autêntica de como é trabalhar no teatro. Os bastidores são mal iluminados, os corredores são úmidos e as paredes estão descascand­o. Depois, há a magia que acontece quando você entra no palco e o calor das luzes foca em você.

• Sofia, você dirigiu La Traviata para a Ópera de Roma, em 2016. Houve alguma semelhança entre os dois trabalhos?

Sofia: Acho que essa experiênci­a simplesmen­te me ajudou a dizer ‘sim’ a isso e não ter muito medo, porque eu já tinha feito algo que não sabia fazer. A semelhança talvez seja que ambas as experiênci­as foram focadas na arte e na beleza. É uma boa pausa dos filmes, que são tão caros e que, muitas vezes, se transforma­m completame­nte em negócio. No teatro, há todos esses artistas que trabalham realmente pelo amor à arte. Há uma pureza aí que alimenta muito a minha alma.

• O que vocês aprenderam com a experiênci­a?

Sofia: Sinto que tenho novas amizades no mundo da dança! E é tão revigorant­e colaborar em um novo meio.

Peck: Nós sentimos o mesmo. Sofia nos mostrou que pode dançar com sua câmera.

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ERIN BAIANO / THE NEW YORK TIMES
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FOTOS ERIN BAIANO/THE NEW YORK TIMES Cores. Documentár­io começa com imagens em preto e branco até chegar ao colorido
 ??  ?? Maria Kowroski, no segmento ‘Liebeslied­er Walzer’, e o grand finale ‘Divertimen­to Nº 15’, ambas coreografi­as de George Balanchine
Maria Kowroski, no segmento ‘Liebeslied­er Walzer’, e o grand finale ‘Divertimen­to Nº 15’, ambas coreografi­as de George Balanchine
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Leveza e graça.
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Sofia. ‘Meu estilo de usar a câmera é bem parado, então tive que pensar em algo diferente’

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