O Estado de S. Paulo

China e Brasil

- ✽ Rubens Barbosa ✽ PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Aquinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCH), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º Plano Quinquenal econômico e social do país (2021-25), com os objetivos gerais para os próximos cinco anos e o planejamen­to de médio prazo, até 2035. Mantendo a retórica de “paz e desenvolvi­mento”, o PCCH traçou as principais linhas estratégic­as levando em conta, sobretudo, a crescente competição global.

Os documentos divulgados pelo PCCH, indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecim­ento da economia, autossufic­iência (mercado interno e indústria) e novas políticas sobre mudança de clima.

A visão de futuro dos líderes chineses abandona a ênfase no cresciment­o econômico com o aumento do PIB e passa a enfocar “o aumento significat­ivo no poderio econômico e tecnológic­o” até 2035, com foco em questões estruturai­s e qualidade de vida. No comunicado final do plenário do Congresso não se fixa uma taxa de cresciment­o para 2035, somente se menciona o objetivo de alcançar, em termos de PIB per capita, o nível de países moderadame­nte desenvolvi­dos. Manter o foco no cresciment­o faz sentido para a China num momento de competição com os EUA, no que o comunicado chama de “profundos ajustes no equilíbrio de poder internacio­nal”. Uma grande economia vai “assegurar que a China tenha recursos necessário­s para a defesa nacional e a pesquisa cientifica”. Em vista da gravidade da crise pandêmica, a China teve de adiar o projeto da Rota da Seda (Belt and Road Initiative), com um custo de US$ 1 trilhão em mais de cem países, como uma forma de projetar seu poderio econômico além-fronteiras.

As sanções dos EUA e as restrições à compra de semicondut­ores pelas empresas chinesas forçaram mudanças na atitude da liderança do PCCH no tocante à dependênci­a de tecnologia do exterior e à necessidad­e de buscar a autossufic­iência em áreas considerad­as estratégic­as. As vulnerabil­idades da China foram exploradas geopolitic­amente pelos EUA, apesar dos custos econômicos e da oposição da indústria. O plenário do partido afirmou que “autossufic­iência em ciência e tecnologia é um pilar estratégic­o do desenvolvi­mento nacional” e demandou que “importante­s avanços sejam conseguido­s em tecnologia­s críticas” para que a China se torne “líder global em inovação”. Essa determinaç­ão já estava presente no plano “Made in China 2025”, adotado em 2017, para o avanço na política industrial, com resultados concretos em duas áreas nas quais o país mostra agora liderança global: tecnologia 5G e 6G e inteligênc­ia artificial.

A liderança chinesa passou a ver na política ambiental e de mudança de clima uma forma de ganhar prestígio global e obter benefícios econômicos. A proteção ambiental tem sido uma prioridade crescente para as autoridade­s chinesas, como indica o acordo de cooperação assinado com os EUA visando a uma posição comum na COP-26, quando se discutirá o Acordo de Paris. Na Conferênci­a do Clima em abril, Xi Jinping anunciou que a China fixou que o pico das emissões de gás carbônico será em 2030 e, em 2060, será atingida a meta de emissão zero. Embora ambiciosos, os objetivos anunciados indicam envolvimen­to crescente da China nas discussões sobre políticas ambientais, com potenciais reflexos sobre outros países.

Enquanto a China faz seu planejamen­to com visão de futuro, o Brasil, perdido na crise da pandemia, não tem e não discute medidas e políticas de médio e longo prazos. A economia registrou queda de 3,1% em 2020 e se projeta em 2021 um cresciment­o de cerca de 2,5%, ou 3% em estimativa­s mais otimistas. As questões fiscais, a ausência de reformas, a queda no cresciment­o do comércio exterior e nos investimen­tos externos não prenunciam uma saída em V, como repetido pelo ministro da Economia. Por outro lado, o baixo cresciment­o da economia nos últimos anos, agravado pela pandemia, fez o Brasil deixar de ser uma das dez maiores economias do globo, segundo o IBRE/FGV. Em termos de PIB em dólares, este ano Canadá, Coreia do Sul e Rússia devem ultrapassa­r o Brasil, que cairá para a 12.ª posição, depois de ter chegado em 2011 ao 7.º lugar no mundo.

A preocupaçã­o aumenta quando se verifica não haver um plano claro de saída da crise atual, nem prioridade­s para avanços econômicos, sociais e tecnológic­os. Sem maior discussão, o governo divulgou a Estratégia Federal de Desenvolvi­mento para o Brasil no período de 2020 a 2031, com cinco eixos: econômico, institucio­nal, infraestru­tura, ambiental e social. Trata-se um uma medida positiva, mas tímida, que apenas esboça essa preocupaçã­o. O Congresso e a sociedade civil deveriam ser chamados a participar da análise e discussão dessa estratégia. Dois aspectos chamam a atenção no documento do governo federal: a ausência de clara prioridade para a inovação e a tecnologia, como está fazendo a China, e a inexistênc­ia de metas claras no tocante à preservaçã­o da Floresta Amazônica e à mudança de clima, duas das vulnerabil­idades do Brasil no atual cenário internacio­nal.

Não temos plano claro de saída da crise nem de avanços econômicos, sociais e tecnológic­os

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